As discussões teórico-efetivas a respeito da demanda agregada remontam aos primeiros opositores e apoiadores da Lei de Say, a exemplo de Malthus, Sismondi, Ricardo, dentre outros. (MIGLIOLLI, (1981); BRESSER-PEREIRA, (1985); OLIVERIA, (2009); CARVALHO, (2014)).
A Lei de Say, Lei dos Mercados ou Lei de Preservação do Poder de Compra, ficou assim conhecida em homenagem ao economista francês Jean-Baptista Say (1767-1832) que afirmava que a estabilidade e regularidade do mercado decorria do dinamismo do investimento, que, ao gerar renda entre os vários setores da economia, proporcionaria o consumo materializado na procura propriamente dita.
Em reforço e validação da mencionada Lei, David Ricardo, apud, David F. Carvalho, (2014), é enfático ao argumentar que Say mostrou, de maneira mais satisfatória, que não há nenhum montante de capital que não possa ser empregado em um país, porque a procura é somente limitada pela produção. Ninguém produz a não ser para consumir e vender, e jamais se efetua uma venda a não ser com a intenção de comprar qualquer outra mercadoria que possa ser imediatamente utilizada ou possa contribuir para a produção futura.
O argumento é poderoso e instigante se observado sob a égide da neutralidade da moeda, isto é, esta não impacta as decisões dos agentes econômicos por ser apenas um meio de troca sob o império de uma economia de escambo (trocas diretas de mercadorias) e/ou mercantil simples (troca de mercadorias intermediada pelo dinheiro M-D-M), diferentemente de uma economia monetária da produção, complexamente capitalista e elevadamente monetizada (D-M-D’), ou ainda, (D-D’).
Nesse sentido, economistas como Malthus, Marx, Kalecki e Keynes não aceitam a aplicabilidade da Lei de Say para uma economia capitalista, porque esta pode se encontrar numa situação de superprodução ou sub-produção geral, o que implica em flutuações cíclicas com base na ideia, comum aos economistas mencionados, de insuficiência de demanda efetiva, um outro conceito de demanda tão importante quanto ao de demanda agregada.
Efetivamente, este é o ponto de intersecção e inflexão da problemática em torno da Lei dos Mercados, mesmo porque, demanda efetiva é o resultado do consumo e do investimento previstos e programados (ex-ante), porém, se haverá demanda realizada (ex-post) será uma dependência da renda e/ou do poder de compra na forma em que serão gastos ou utilizados, o que para Macedo e Silva, (1990), torna aquela lei limitada e restrita, devido a crença de que só a renda gera poder de compra, e o poder de compra é necessariamente gasto.
Nesse debate histórico-evolutivo, toma corpo o princípio da demanda efetiva, onde Kalecki e Keynes se destacam. Kalecki, (1982), a seu modo, tendo discutido, também, as crises de realização dos investimentos, formula o princípio da demanda efetiva, quando afirma que os trabalhadores gastam o que ganham, e os capitalistas ganham o que gastam.
Bem assim, Keynes, (1983), aprofundando sofisticadamene no debate, asseverava que o volume de mão-de-obra que os empresários decidem empregar depende da demanda efetiva resultante da soma de dois tipos de gastos esperados quando os empresários decidem investir, a saber: 1- do montante em valor monetário que se espera que seja gasto pela comunidade (e não somente pelos capitalistas, assim como pretendia Kalecki) na compra de bens de consumo; 2- do montante em valor monetário que se espera que seja aplicado em novos investimentos, e os gastos públicos seriam algo suplementar e complementar à demanda agregada em momentos, também, de crises.
Nesse sentido, o funcionamento de qualquer economia depende desses dois tipos de gasto, que, suposta e teoricamente, permanecerá em equilíbrio “keynesiano” – “nível de emprego efetivo inferior ao pleno emprego.” (Carvalho, 2014).
Do fundamento teórico até aqui utilizado, aliás, nada mais prático do que uma boa teoria diante dos problemas reais e concretos, cabe-nos trilhar para o campo prático-aplicado, apoiando-nos em dados divulgados sobre a economia brasileira que apontam para taxas de desemprego próximas a 5%, inflação baixa, renda crescendo, crédito ampliando, etc.
A relação disso tudo com a demanda agregada refere-se ao fato de que ela é composta pelo consumo das famílias e dos governos mais o investimento autônomo (demanda efetiva) quando acrescidos os gastos do governo e finalmente as exportações líquidas (demanda agregada), isto é, exportações menos importações, o que caracteriza, também, uma economia aberta que transaciona com o resto do mundo.
Em análise parcial, deduz-se que os componentes da demanda agregada são altamente dependentes da formação bruta de capital fixo – investimentos produtivos, todavia, segundo dizem, a despoupança pública (déficit público recorrente) e a baixa capacidade de investimento do setor público e privado, em torno de 16% do PIB (Dados de 2024, IBGE), tem proporcionado taxas de crescimento e aquecimento da demanda agregada aquém da necessidade efetiva do país.
Sendo assim, o que pode estimular ainda mais a demanda agregada e avancemos para níveis de renda mais elevados?
Sem dúvida, fundamental que haja taxas de juros atrativas compatíveis com a taxa de inflação e taxas de retorno do capital investido, além de renda disponível realizável, que proporcione poupanças pública e privada, que por sua vez, estimule mais créditos, com níveis de tributação reduzidos, neutros e universalizados (que todos paguem de maneira direta como foi com a CPMF, no entanto, carimbe-se essa arrecadação para fins estritamente coletivos).
Por isso, importa que avancemos nas reformas, vantagens institucionais, abertura da economia e privatizações, até porque, não é função do Estado agir em atividades empresariais; e, talvez, essa ação que o Brasil optou em “agir por cima do mercado” em setores ditos estratégicos tenha sido algo positivo para época, todavia, que o diga nossa infraestrutura e a nossa própria demanda agregada, corroídas, também, pela economia subterrânea e pelas mazelas da corrupção.
Ernani L. Pinto de Souza é economista do EIT/UFMT ([email protected])
