Nada a fazer a não ser prestar atenção à estrada. Foi lá pelas bandas de Pelotas, no Rio Grande do Sul, no ano de 1875, que circulou pelas ruas brasileiras o primeiro automóvel movido à combustão interna. Não bastasse a novidade para a época, esse veículo noticiado em jornais do período, foi inventado e fabricado aqui no Brasil pelo cidadão pelotense, Antônio Pereira dos Santos Leal. A façanha foi publicada no “Jornal O Comércio”, estampando a capa:
“Um cavalheiro residente nesta cidade, dotado de gênio empreendedor e laborioso, pretende apresentar em Pelotas uma completa novidade que, decerto, causará geral admiração. É ela um carro que rodará para qualquer parte da cidade sem o auxílio de vapor ou de força animal[1].
Antônio Pereira, como todo brasileiro, causa de fato uma grande admiração e surpreende pelo seu empreendedorismo e criatividade, porém, seu protótipo ainda carecia de muitas melhorias, pois neste período o automóvel ainda estava sendo pensado e desenvolvido.
Era um tempo de desenvolvimento das máquinas com quatro rodas. Se ponderavam os melhores projetos e as melhores formas de fabricação e industrialização do veículo, chamado de “moderno”, atendendo a interesses e a um processo de manufatura industrial de massa, visando obviamente, o desenvolvimento do capitalismo, que só se realizará e firmará como sistema econômico bem definido, mais tarde, no início do século XX.
O escritor Jose Luiz Vieira registra sua expressão mais famosa, “começa a era da prosperidade”, dando largada para uma trajetória de transformações que o automóvel vai produzir a partir de então e resume:“O ano de 1.908 marca o início de um período em que o automóvel vai deixar de ser um artigo de Luxo e se tornará uma necessidade”.
A Henry Ford é atribuída a responsabilidade do por vir. Depois de vinte projetos investidos, será a vez do “[…]mais forte ícone do automóvel do século XX: o Ford T”. um sucesso sem tamanho, com características populares e acessível, o modelo vai transformar a maneira de manufaturar da indústria do momento, com a ideia de linha de produção, revolucionará a produção em massa, que será adotada no século XX e será a […] principal engrenagem da economia mundial que mudou para sempre a economia e a sociedade“[1][2].
É sob esse panorama de entusiasmo, entre o fim do século XIX e os primeiros 50 anos do século XX, com o florescimento das ideias de modernização e de adequação ao capitalismo, somadas ao surgimento de invenções, novas tecnologias, e de um tipo de indústria automobilística dedicada a atender uma grande quantidade de consumidores, que desembarca no porto de Santos, em 1891, o primeiro de muitos automóveis que serão, dali em diante, importados para o Brasil.
O Peugeot trazido por ninguém menos que Henrique Santos Dumont, irmão do ilustre Alberto Santos Dumont, apesar de ter sido o primeiro a desembarcar, curiosamente não foi o primeiro a transitar nas ruas brasileiras, visto que retorna a Paris devido a defeito de fabricação. Henrique Dumont não desiste do desejo de ter seu automóvel no Brasil e traz, logo em seguida, o segundo carro, desta vez, um Daimler, que no futuro se transformaria na conhecida marca de automóveis alemã “Mercedes Bens". Por fim, este será o primeiro carro a rodar no Brasil.
Embarcado nele, Henrique Santos Dumont, as pessoas espantadas, em pleno centro de São Paulo, admiram […] “um carro aberto”, de quatro rodas de borracha e que se movia por si mesmo”, um Peugeot, segundo automóvel importado pelo irmão do inventor do avião, inaugura a […] “a era do automóvel no Brasil”.
O automóvel fazia parte de um grupo de invenções que ao Brasil chegavam, foi incorporado como símbolo da revolução tecno-científica e de transformação. Se tornará um dos principais representantes desse novo modo de vida “moderno” que estava sendo propagado e, certamente, um dos mais significantes artefatos para a construção da ideia de modernização ocorrida na primeira década do século XX.
A importância das transformações que a indústria automobilística realizou nos meios em que a administração, principalmente, se desenvolvia, o seu impacto na cultura das cidades, as alterações radicais na mobilidade das pessoas e das cidades, na legislação, foram de tal forma impactantes que podemos afirmar, sem nenhuma ressalva, existir um mundo antes de sua chegada, e outro depois. A primeira grande ruptura socioeconômica e social depois da Revolução Francesa. Para muitos o carro não é um transporte e sim um meio de transformação e de normatização de uma sociedade. Liberdade, igualdade e fraternidade, ainda estão encerradas no porta malas.
Por fim, viver hoje, de alguma forma,sempre é estar sujeito a vontade do automóvel e suas condições. Sonhar ser independente das funções e das necessidades que os carros e suas demandas nos impões é praticamente impossível, pelo menos isso nos parece uma grande dificuldade. Queira um dia, que o homem, para ser livre, dirija seu sonho distante da imposição que o sistema cria, só assim a máquina de quatro rodas pode nos levar, mais rapidamente, para a felicidade verdadeira.
[1]GONÇALVES,VergniaudCalazans.AutomóvelnoBrasil:1893-1966.SãoPaulo:Editorado Automóvel,1966,p.5.
[1]VIEIRA, op. cit., p. 07.
[2]GONÇALVES, op. cit., p. 5.
Coluna Especial MT Econômico – Setor Automotivo
Colunista MT Econômico: Ricardo Laub Jr.
Historiador e Empreendedor graduado no Curso de Licenciatura Plena em História na UFMT- Universidade Federal de Mato Grosso e em EMPREENDEDORISMO (2005) pelas Faculdades ICE. Com Mestrado em História Contemporânea pela UFMT/PPGHIS. MBA – Master in Business Administration em Gestão de Pessoas, MBA – Master in Business Administration em Gestão Empresarial e MBA – Master in Business Administration em Gestão de Marketing e Negócios. Professor na faculdade, Estácio de Sá – MT, Invest – Instituto de educação superior. Presidente da AGENCIAUTO/MT- Associação do Revendedores de Veículos do Estado de Mato Grosso, com larga experiência profissional na elaboração de planos de negócio voltados para o ramo automobilístico, gerenciamento comercial, administrativo, controle de estoque, avaliação de veículos, processos operacionais e estratégicos para empresas do setor automotivo e gestão de pessoas no âmbito organizacional.
Leia mais: Opinião: Mercado do automóvel no Brasil e em Mato Grosso. Resultados de abril 2020