Palavras de José Barnabé de Mesquita, ou apenas José de Mesquita, nascido no ano de 1892, “legítimo representante das velhas tradições cuiabanas”. Viveu o tempo do surgimento da modernidade em Cuiabá, entre 1920 e 1960. Seu amor pela cidade fez dele um símbolo das “vivências e qualidades” bem como do “espírito de continuidade”, que era necessário para a sobrevivência cultural de uma população.
O poeta cuiabano, talvez um conservador, muito mais compreendido como um saudosista, não conseguiu fazer prevalecer sua vontade por manter à cidade e suas tradições, para que não perdesse suas “peculiaridades que a extremam de outras cidades”, que por fim, como tudo no tempo, dizem, há de perder seu brilho, foram sendo vencidas e que acabariam por serem submetidas a força da globalização e da multiculturalização iniciada a partir dos anos 60. Ele viveu os anos de maior transformação na mobilidade urbana, entre 1930 e 1960, no surgimento de uma cidade feita para os automóveis e a valorização do ser cuiabano e suas tradições.
Curiosamente, justamente quando o venerável intelectual cuiabano, reconhecido nacionalmente, deixou esta terra ao falecer aos 69 anos, no dia 22 de junho de 1961, para deixar sua “marcante personalidade de homem bom e de escritor apreciado” nos anais da intelectualidade brasileira[1], as terras mato-grossenses sofrerão a maior pressão por mudanças.
Manter a tradição, como fazer isso? Em meio a esse turbilhão de informações pelo qual passa o século XXI não seria uma pretensão desmedida? Justamente nos anos finais da década de 1960 as coisas começaram a mudar, de fato, na cidade de Cuiabá, ainda que José de Mesquita não presenciou, sete anos após sua morte, o início da demolição da igreja matriz “Senhor Bom Jesus do Cuiabá”, construída em 1722 três anos após a fundação da cidade, definindo o marco simbólico das forças transformadoras que invadem a cidade sem dó, para o bem da construção, sobre os escombros da igreja matriz, de uma sociedade contemporânea em busca da modernidade.
E os amores registrados pelos monumentos, vão-se esvaindo na poeira da demolição, daí, em 1745, uma nova forma piramidal de torre vai surgir. A torre em si mesma não era tão importante, mas sim a questão da mudança, tanto é verdade, resistiu 184 anos, até 1924, para se edificar a segunda torre. Como se a reestruturação de uma igreja fosse uma barragem secular que represasse os anseios locais. Quantas foram as pessoas que a sombra dos pilares da matriz, juraram amor eterno?
Somente 44 anos depois, fosse ao chão, de uma vez, todos esses pilares, enterrando histórias reais, paixões, nascimentos, fé, e amizades resolvidas em 246 anos de persistência. 1968 foi, por meio da dinamite, o início da modernização de Cuiabá.
A ideia de progresso e desenvolvimento consome os jovens mato-grossenses ansiosos, como diria nestes tempos, o jovem Raul Seixas, por uma “metamorfose ambulante”, e com o crescimento da cidade, ela vem, tingida de redentora por abrigar novas demandas e vontades, principalmente aquelas que querem “ampliar” os espaços, para que estes se constituam adequados a nova realidade modernizadora da cidade.
E com a queda da história local, a introdução determinante da sociedade capitalista, extremamente automotiva. Adeus aos cavalos, que venha a novela e vida televisiva, ancorada pela chegada da universidade federal, e suas imposições naturais para formação de novos intelectuais, pesquisadores, artistas e com seus movimentos de regionalização cheios de contracultura local, porém definidoras de uma, “disque” “cultura própria”, trazida por pessoas geralmente de fora. Como se não houvesse, gente, arte, história e sociedade, antes da queda da igreja. Nestas horas, José de Mesquita, poeta do céu, indignado comenta saudoso, citando Gonçalves Dias: “minha terra tem palmeira”, ainda tem, mas a igreja, não tem mais, que saudade de Cuiabá e do meu povo.
Além das palmeiras, os carros, ainda tem também, em sua época todos importados, pesados, com motores potentes, hoje maquinas surreais, digitalizadas, que por ironia, percorrem, em sua homenagem, a rua dedicada à sua memória, com toda razão um tributo de direito, Rua desembargador José de Mesquita, ligação óbvia entre, ninguém menos que Miguel Sutil e sua avenida, e a Mato Grosso, ou avenida Mato Grosso, conexão perfeita entre o passado e o presente.
A cidade é feita de rua e avenidas onde circulam pessoas, a maioria, dentro de seus automóveis, as vezes tão envolvidas com o presente que deixam de perceber que cada rua tem, em seu caminho, uma memória de vidas vividas, e são muitas, e muito bem vindas, entre elas, estão as homenagens a grandes personagens da nossa história, como a do maior de todos historiadores de Mato Grosso, Rubens de Mendonça, do Governado do Estado, Pedro Celestino, do grande mato-grossense, Cândido Mariano, do nosso herói, Barão de Melgaço, almirante Augusto Leverger, do médico e político, Fernando Corrêa da Costa, do jornalista e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, Issac Póvoas, entre outros tantos, que devem ser lembrados.
Fazendo um trocadilho, a vida de fato é passageira, quem está ao volante, na vez de motorista, é a história. A cidade é vida e é viva, sobrevive de seu tempo, desde 1719 até os dias de hoje, muitas gentes percorreram estes caminhos em busca de sorrir, de amar, de saudar e de se encontrar. Como ele próprio deixou em seu poema, “Civitas Mater”, toda a contemporaneidade da cidade de Cuiabá:
“[…] Nenhuma outra cidade assim á alma nos fala. Dos teus muros senis a tradição se exhala e a nossa Historia inteira em teu brasão reluz. Ainda hoje em teu ambiente, ó minha urbe querida, paira dos teus heróes a sombra estremecida — nobre Villa Real do Senhor Bom Jesus!”
Fontes do artigo
[1] MESQUITA, José Barnabé de. Gente e coisas de antanho. Cadernos Cuiabanos, 1978. Pg. 4 – 19.
Coluna Especial MT Econômico – Setor Automotivo
Colunista MT Econômico: Ricardo Laub Jr.
Historiador e Empreendedor graduado no Curso de Licenciatura Plena em História na UFMT- Universidade Federal de Mato Grosso e em EMPREENDEDORISMO (2005) pelas Faculdades ICE. Com Mestrado em História Contemporânea pela UFMT/PPGHIS. MBA – Master in Business Administration em Gestão de Pessoas, MBA – Master in Business Administration em Gestão Empresarial e MBA – Master in Business Administration em Gestão de Marketing e Negócios. Professor na faculdade, Estácio de Sá – MT, Invest – Instituto de educação superior. Presidente da AGENCIAUTO/MT- Associação do Revendedores de Veículos do Estado de Mato Grosso, com larga experiência profissional na elaboração de planos de negócio voltados para o ramo automobilístico, gerenciamento comercial, administrativo, controle de estoque, avaliação de veículos, processos operacionais e estratégicos para empresas do setor automotivo e gestão de pessoas no âmbito organizacional.
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