O raio sempre existiu, fazendo parte da própria evolução e formação da Terra. Na antiguidade, o raio estava sempre associado a deuses e divindades como na mitologia grega que mostra Zeus como sendo o deus do raio. O homem sempre teve medo do raio. Em função disso surgiram ao longo do tempo várias lendas, crenças e crendices a seu respeito como, por exemplo, cobrir espelhos ou carregar amuleto colhido no local da queda de um raio para se proteger.
Atualmente no mundo existem, em vários países, redes de detecção de raios através de sensores. No Brasil existe a RINDAT-Rede Integrada Nacional de Detecção de Descargas Atmosféricas composta de vários sensores distribuídos no país que permitem gerar monitoramento em tempo real, pesquisa científica e produtos destinados às aplicações na previsão de tempo, na análise e manutenção de sistemas elétricos de transmissão, de distribuição de energia e na emissão de laudos de análise de eventos severos para seguradoras e empresas de engenharia. Os sinais dos sensores são transmitidos através de canal de comunicação dedicados para as centrais de processamento, onde são processados e distribuídos para unidades de visualização e armazenamento de dados.
O primeiro cientista a perceber que os raios se tratavam de um fenômeno elétrico foi Benjamin Franklin (1752), que na época afirmou que a colocação de uma ponta metálica em cima de uma casa atrairia os raios para si, e, a edificação estaria protegida contra estes, uma vez que cairiam sobre a ponta metálica. Após alguns anos, o cientista tomou conhecimento de edificações que tinham sido atingidas, contudo, o raio não havia caído na ponta metálica. Assim sendo, ele reformulou sua teoria e afirmou que a ponta metálica seria o caminho mais seguro para levar o raio até o solo com segurança caso esta fosse atingida por um raio. A partir daí se começou a definir a região até onde esta ponta teria influência (século XVlll-Gay Lussac) e consequentemente a esboçar os primeiros cones de proteção, cuja geratriz era função de um ângulo pré-definido, resultando num cone com um raio de proteção.
As descargas podem ocorrer no interior de uma nuvem e entre nuvens diferentes. As descargas entre a nuvem e a terra são menos frequentes (cerca de 10%), mas são as que merecem de nossa parte mais atenção, pois é aqui embaixo que habitamos. A descarga é visível com trajetórias sinuosas e de ramificações irregulares, às vezes com muitos quilômetros de distância. Um raio, composto por várias descargas, pode durar até dois segundos. No entanto, cada descarga que compõe o raio dura apenas frações de milésimos de segundos. Deste processo acontece também uma onda sonora chamada trovão. Trovoada ou trovão é o ruído (estrondo) produzido pelo deslocamento do ar devido ao súbito aquecimento causado pela descarga do raio. Primeiramente observamos os relâmpagos e alguns segundos depois ouvimos o trovão. Isso ocorre porque a velocidade da luz é muito maior que a velocidade do som. Portanto, quanto menor for esse tempo, mais próximo está ocorrendo a descarga e maior deve ser a preocupação.
A incidência de raios no Brasil é a maior do mundo, com uma média de cerca de 77,8 milhões de eventos anuais de acordo com Grupo de Eletricidade Atmosférica-ELAT do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais-INPE. São cerca de 110 pessoas, em média, que morrem por ano em decorrência de descargas atmosféricas no país, grande parte na área rural e 76% destas mortes concentram-se nas estações da primavera e verão. A posição geográfica e também sua grande extensão territorial do Brasil colaboram para esse alto índice. Os raios caracterizam-se por alta intensidade de corrente elétrica (20 a 200 kilo Ampéres), altas temperaturas (30.000 graus Celcius) e grandes energias (3.000 Joules) em intervalos de milésimos de segundos. Causam risco de morte para os seres vivos e também prejuízos econômicos estimados na ordem de um bilhão de reais por ano afetando bastante o setor industrial, de energia e de telecomunicações.
“O raio não cai duas vezes no mesmo lugar”. Na verdade esta expressão ou crença não é verdadeira. Se o raio caiu num determinado local é muito provável que possa cair novamente, pois este local pode reunir condições propícias para que o evento possa se repetir novamente. O Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, é atingido todos os anos por cerca de seis raios, de acordo com o INPE. Já o edifício Empire State Building, em Nova York, nos Estados Unidos, recebe 25 raios todos os anos, ele já chegou a ser atingido por oito raios em oito minutos!
A Norma da ABNT NBR 5419 estabelece os requisitos para proteção de uma estrutura contra danos físicos por meio de um SPDA- Sistema de Proteção contra Descargas Atmosféricas – e para proteção de seres vivos contra lesões causadas pelas tensões de toque e passo nas vizinhanças de um SPDA. As edificações devem ser protegidas, conforme a referida norma que define para cada situação ou importância da edificação níveis de proteção que devem ser utilizados para atenuar os efeitos das descargas nas mesmas e, consequentemente para os seres vivos através de vários métodos de proteção definidos na norma dentre os quais constam o Método de Franklin, da Gaiola de Faraday e Eletrogeométrico ou da Esfera Rolante. Existem vários níveis de proteção onde a eficiência de um SPDA pode variar de 80 a 98%. Eliminar totalmente o risco não é possível, mas podemos ter uma proteção próxima da ideal. Edifícios, hospitais, escolas, estádios de futebol, museus, depósitos de materiais explosivos ou tóxicos, igrejas, fábricas, etc, cada um requer um determinado nível de proteção.
A tensão de passo é a tensão entre os pés do ser vivo. Ao dar um passo este ficará com os pés em linhas equipotenciais diferentes provocando passagem de corrente pelo seu tronco. Num ser vivo bípede isto raramente provoca a morte, pois a parcela de corrente é pequena (linhas equipotenciais próximas), já nos quadrúpedes geralmente é fatal (linhas equipotenciais distantes) maior diferença de potencial, logo maior corrente passando pelo tronco do ser vivo. Os bois em campo aberto são muitas vezes mortos em função de descargas atmosféricas, pois a distância ente patas é maior, sendo então submetidos a um potencial de passo maior. Desta forma, a corrente elétrica circulante pelo corpo, em especial pelo coração, é maior provocando a morte dos animais quadrúpedes. Adicionalmente, a descarga também pode eletrificar cercas metálicas e os animais próximos ficam mais expostos ao risco. Neste caso as cercas devem ser seccionadas e aterradas de acordo com as normas e recomendações da distribuidora de energia.
Outro fator de risco para os animais consiste no fato de se aglomerarem embaixo de árvores num campo aberto em dias de chuvas, as quais são consideradas um fator de risco, pois são o ponto mais alto no local e o caminho mais curto para o raio. O que ocorre é que o raio atinge as árvores, debaixo das quais estes ficam escondidos da chuva. A corrente elétrica é conduzida ao solo onde se espalha atingindo grande quantidade de animais. Para se evitar mortes dos animais, quando viável podem-se instalar galpões protegidos para o gado e outras espécies se abrigarem em dias de chuva. Animais atingidos por raios não podem ser consumidos, pois ocorre eletrólise no sangue e putrefação mais rápida da carne. Por isso deve-se descartar e enterrar os animais.
Como não existe ainda disponível no mercado sistemas de sensoriamento para alertar quanto a possíveis ocorrências de descargas em determinado local específico, o bom senso ainda é o melhor meio de se evitar acidentes. Observando nuvens carregadas (escuras) e situações chuvosas, as pessoas devem procurar abrigo preferencialmente dentro das edificações mais seguras.
As descargas também podem afetar os equipamentos elétricos. Quando caem em determinado local podem induzir potenciais e atingir as redes elétricas que são aéreas, portanto mais susceptíveis, chegando até a instalação elétrica dos consumidores. Também é bastante comum após descargas na rede elétrica da distribuidora de energia ocorrer desligamentos automáticos das mesmas por relés (sensores) nas subestações. O religamento destas redes de forma automática ou manual pode provocar sobretensões danosas (voltagens mais altas) no retorno da energia podendo causar a queima de equipamentos elétricos. São os famosos ‘picks’ ou piscas que além dos transtornos, interrompem processos produtivos e podem causar a queima de equipamentos. Quando caracterizado tecnicamente que a descarga que queimou o equipamento veio pela rede elétrica da distribuidora em função de uma possível sobretensão, o consumidor nesses casos deve acionar a empresa de energia e efetuar a formalização, solicitando o ressarcimento do dano elétrico. É importante o consumidor registrar o dia, horário aproximado e os equipamentos danificados. A empresa por sua vez fará as análises quanto ao nexo causal da solicitação em conformidade com o módulo 9 do PRODIST-Procedimentos de Distribuição da ANEEL-Agência Nacional de Energia Elétrica, que define ainda os prazos regulados para as etapas do processo.
Existem hoje no mercado dispositivos que protegem as instalações de baixa tensão dos consumidores. Chamados de DPS-Dispositivo de Proteção contra Surtos, estes devem ser previstos na fase de planejamento das edificações na parte de projeto de instalações elétricas. Caso a edificação já esteja construída, este dispositivo também poderá ser instalado junto ao quadro de distribuição devidamente dimensionado, especificado e instalado por um profissional competente.
Em Mato Grosso, no período chuvoso que vai de meados de novembro a abril, ocorrem muitas descargas atmosféricas. Um levantamento do Grupo de Eletricidade Atmosférica – ELAT do INPE mostrou que Mato Grosso ocupa a 7º colocação no ranking de estados com mais mortes ocasionadas por raios. De 2000 a 2.019, 2194 pessoas morreram atingidas por raios no País, sendo 126 no estado de Mato Grosso. Segundo o INPE baseado em dados da distribuidora de energia de Mato Grosso, nos 141 municípios do Estado, a distribuidora registrou aproximadamente 6,7 milhões de raios em 2019. Um aumento de 141% no número de casos comparado com 2018 que teve cerca de 2,7 milhões.
Ao todo, em 2020 foram verificados 121 milhões de raios no país, um aumento de 51% em relação a 2019, quando o ELAT observou 62 milhões deles. De janeiro a setembro de 2021 já são cerca de 6,5 milhões de raios somente em Mato Grosso, um aumento de 158% em relação a 2020. Pesquisas já indicaram visíveis aumentos de incidência de raios em áreas urbanas e parece ser esta uma tendência futura. A maior densidade de raios está relacionada ao fenômeno conhecido como “ilha de calor” e à poluição nos centros urbanos.
Com o início do período chuvoso no Estado, a preocupação é grande em função das situações de morte de pessoas e de animais em fazendas causadas por raios. Isto ocorre porque o Estado possui um dos maiores índices de descargas por quilômetro quadrado por ano do País. De acordo com o INPE em dados obtidos em 2017, o estado com maior densidade de raios é o Tocantins, com 17,1 raios por quilômetro quadrado por ano. Na sequência aparece Amazonas (15,8), Acre (15,8), Maranhão (13,3), Pará (12,4), Rondônia (11,4), Mato Grosso (11,1), Roraima (7,9), Piauí (7,7) e São Paulo (5,2). Especificamente em Cuiabá esse índice fica na faixa de 12 a 14. Para se ter uma ideia, esse mesmo índice na maior parte do Nordeste é bem baixo, principalmente na sua faixa litorânea onde fica abaixo de 1. Estamos, dessa forma no estado de Mato Grosso com índice de densidade de raios bem superior à média nacional que é cerca de 5. O índice no Estado é superior, portanto, ao dobro da média nacional. São muitos raios por aqui!
Segundo o INPE, a chance de uma pessoa ser atingida diretamente por um raio é muito baixa, menor que 1 para 1 milhão. No entanto, se a pessoa estiver em área descampada, embaixo de uma tempestade forte, esta chance pode aumentar em até mil vezes (chegando a 1 para mil). Melhor e mais prudente se prevenir!
COMO SE PREVENIR DE RAIOS:
Mantenha-se afastado e não trabalhe sobre cercas, alambrados, linhas telefônicas ou elétricas e estruturas metálicas.
Se você estiver viajando e ocorrer algum acidente, permaneça dentro do automóvel; os automóveis oferecem uma excelente proteção contra raios.
Busque refúgio no interior de edifícios.
Mantenha-se longe de árvores isoladas.
Não permaneça dentro d’água durante as tempestades.
Evite áreas altas, busque refúgio em lugares baixos.
Durante uma tempestade, não utilize aparelhos eletrodomésticos, mantenha-os desligados das tomadas e, também, desconecte da antena externa o televisor, assim você estará reduzindo danos.
Use o telefone fixo somente em uma emergência, os raios podem alcançar a linha telefônica aérea.
Se tiver de fazer uma longa travessia de barco, tenha especial atenção. A canoa é um o dos lugares mais expostos que existem.
Se for apanhado em céu aberto, evite árvores isoladas, Faça do corpo uma “bola com pés”, acocorando-se com eles mais junto possível. Não toque com as mãos no chão.
Quando acampar, monte sua barraca longe de lugares com maior probabilidade de queda de um raio, tais como, árvores altas e isoladas.
Aprenda a fazer reanimação cardiopulmonar. Cerca de 20% das vítimas morrem, mas muitas vezes podem ser salvas se tratadas de imediato.
Certifique-se de que a tempestade passou completamente antes de prosseguir seu caminho. Muita gente morre antes do clímax de uma tempestade por se aventurar cedo demais.
E no caso de emergência, deve-se acionar o Corpo de Bombeiros pelo número 193.
Teomar Estevão Magri, Engenheiro Eletricista com MBA em Gestão de Negócios, Especialista e Consultor em Energia, membro do Conselho de Consumidores de Energia Elétrica de Mato Grosso-CONCEL MT.