O questionamento à proposta europeia de regulamentação acerca de produtos livres de desmatamento, apresentado pelo Instituto Mato-grossense da Carne (Imac) à Comissão Europeia e ao Parlamento Europeu, pode contribuir com as negociações entre UE e Mercosul. É que alguns países se mostraram sensíveis às sugestões apresentadas pela instituição que é de cooperação na área ambiental ao invés de boicote e ajustes de prazos para que o pequeno produtor não seja excluído da cadeia formal.
As novas tratativas de representantes da União Europeia com o governo brasileiro, com o objetivo de resgatar as negociações com o Mercosul, após paralisação por entraves ambientais indica redesenho das cadeias globais de valor, especialmente após a pandemia e a guerra na Ucrânia, que teria ampliado o poder do Brasil nas negociações.
“O fato de o Brasil ser a maior biodiversidade do planeta e estar lutando para implementar um complexo código florestal, nos coloca como país de primeiro mundo no debate sobre clima. Além de produtores de serviços ambientais essenciais para a regulamentação do clima mundial, somos relevantes no fornecimento de alimentos e referência em produção de energia limpa, com mais de 80% da energia produzida no Brasil sendo renovável. No novo paradigma global não existe mais espaço para o protecionismo europeu e o Brasil se projeta como potência, quem tiver olhos que veja”, disse o presidente do Imac, Caio Penido.
De acordo com o zootecnista e diretor técnico operacional do Imac, Bruno Andrade, o movimento pode representar uma sinalização de mudanças quanto aos entraves criados pela atual proposta de regulamento da União Europeia, com exigências à cadeia produtiva da carne brasileira, consideradas intransigentes pelo setor.
Ainda de acordo com o diretor, em junho deste ano, o Imac discutiu a proposta da UE com lideranças do executivo de alguns países, como Alemanha, Dinamarca, Holanda e Portugal. Também com a Comissão Europeia, lideranças da Comissão de Agricultura e Desenvolvimento Rural do Parlamento Europeu e com o secretário geral da European Livestock and Meat Trades Union, em Bruxelas. Alguns se mostraram sensíveis e abertos à discussão.
O Imac contratou um escritório de advocacia alemão que fez uma análise da proposta de regulamento europeu, que trata da retirada do mercado da UE de determinados produtos associados à deflorestação e à degradação florestal. Após isso, apresentou novas propostas em pontos sensíveis do documento, que poderiam ser negativos ao setor e ao meio ambiente.
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“Com base nessa análise nós montamos um documento com justificativas técnicas do porquê esse regulamento poderia ser negativo ao setor e ao meio ambiente. Entre os dados que apresentamos, ficou evidente que este regulamento poderia excluir produtores do mercado, especialmente pequenos e médios, já que esta norma não leva em consideração a dificuldade de regularizar uma propriedade e não respeita o direito dos produtores em realizar a conversão legal de áreas na fazenda ou os pecuaristas que estão em processo de readequação”, pontuou Andrade.
Conforme Bruno Andrade, o regulamento da UE, prevê obrigação das indústrias e importadoras europeias a realizarem uma série de checagens de seus fornecedores. No caso da carne, seria a indústria frigorífica e seus fornecedores diretos e indiretos. “Eles pedem comprovações de que toda cadeia produtiva da carne, por exemplo, não tenha contaminação com desmatamentos gerais e outras não conformidades socioambientais, tirando do mercado os pecuaristas que estão em processo de regularização e desrespeitando o direito de outros produtores de legalmente abrirem novas áreas”, explicou.
A diretora executiva do Imac, Paula Queiroz, explica que com a exclusão desses pequenos e médios produtores, corre-se o risco do aumento de desmatamento ilegal, em Mato Grosso. “Com mercado fechado para esses pecuaristas, pode-se gerar prejuízos econômicos que vão se refletir no meio ambiente, pois estando fora do mercado formal, o faturamento do produtor se reduzirá e para manter seu nível de renda, poderá reduzir o uso de tecnologia e aumentar horizontalmente sua capacidade de produção, desmatando novas áreas”, pontuou.
Além disso, Paula Queiroz apresenta outro exemplo do prejuízo que pode ocorrer com o atual regulamento. “Um produtor que esteja em conformidade com os critérios do regulamento, poderá ser prejudicado pois, a indústria para quem ele vende os animais pode sofrer algum boicote pela Europa, por conta de algum outro pecuarista fornecedor, que não esteja adequado aos critérios da regulamentação. Ou seja, pune todos, não importa se ele está regular, se regularizando ou se fez uma conversão autorizada pela legislação ambiental brasileira”, disse.
O diretor-presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), Oswaldo Pereira Ribeiro Júnior, reforçou a importância da iniciativa da União Europeia, de restabelecer a negociação do acordo com o Mercosul, pois este trará benefícios econômicos para o Mato Grosso.
Além disso, destacou que o mercado europeu precisa ver o Brasil e o mercado da carne bovina como um parceiro, pois, além de o país ser um grande produtor de alimentos para o mundo, possui um grande compromisso com o meio ambiente, via implantação do Código Florestal.
“Esse relacionamento com os países que fazem parte da União Europeia, abre portas, especialmente para os produtos de Mato Grosso. Já temos uma linha direta com alguns países que são importantes nestas negociações. Este futuro acordo, assim como as visitas que o Imac tem feito, são fundamentais para manter esse relacionamento mais estreito. Os países precisam saber que somos parceiros”, afirmou.
O presidente do Conselho de Administração do Imac e secretário da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sedec/MT), César Miranda Leite, que compôs a comitiva do Imac na Missão Europa, destaca que Mato Grosso possui uma cadeia produtiva pecuária sustentável e possui a capacidade de oferecer segurança alimentar para os países europeus, com produtos seguros, verificados e de qualidade.
O presidente do Instituto Mato-grossense da Carne, Caio Penido, afirmou que a instituição é totalmente a favor de práticas sustentáveis que buscam garantir a rentabilidade do pecuarista. Penido lembra ainda que as legislações e regras do país já são das mais rigorosas do mundo e que o produtor que está em processo de regularização não pode ser excluído, precisa ser contemplado.
“Nossa legislação é extremamente exigente com nossos produtores, principalmente se comparados a nossos concorrentes no mercado global de carne. A missão do Imac é promover a carne de Mato Grosso no Brasil e no mundo, mas sentimos a necessidade de apoiar na implementação do Código Florestal no Estado, na intensificação e melhora no balanço de CO² por arroba produzida e na rastreabilidade da cadeia. Se a Europa quer produtos sustentáveis, de baixas emissões de gases do efeito estufa, que proporcionem bem-estar animal e que conservam biodiversidade, somos um ótimo parceiro, mas para isso devem cooperar, eliminando o risco de exclusão de pequenos produtores e sem boicotar um parceiro tão estratégico”, enfatizou.
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