O pacote de R$ 8,2 milhões anunciado pela Caixa Econômica Federal em fevereiro para financiamentos de imóveis pela linha pró-cotista não estão chegando ao que parece, às mãos de compradores, ou estão chegando a conta-gotas.
A linha pró-cotista é usada para o financiamento de imóveis de até 400 mil reais e suas taxas só não são mais baratas do que as praticadas pelo banco no programa Minha Casa Minha Vida.
A professora Penélope Rodrigues afirma que no início de fevereiro recebeu um e-mail da Caixa que confirmava que a carta de crédito para o financiamento do seu imóvel pela linha pró-cotista havia sido aprovada, mas até o momento o crédito não foi liberado.
Mesmo depois de aprovar a carta de crédito para seus clientes, o financiamento não é finalizado na grande maioria dos casos pela falta de dotação de recursos.
Roberta Picoli, agente do correspondente imobiliário Paulista Cred, afirma que as irregularidades na linha pró-cotista têm se arrastado desde setembro do ano passado. “Nós fazemos a avaliação do cliente, realizamos todo o processo que deve ser feito, conforme o normativo da Caixa, a carta de crédito é aprovada, nós fazemos o dossiê e quando o processo chega na agência, o contrato não é emitido porque eles afirmam que não têm verba orçamentária.”
Vinicius Costa, consultor jurídico da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), afirma que diversos mutuários procuraram a entidade para relatar problemas no recebimento dos recursos da linha pró-cotista. “Houve a liberação de recursos no final de fevereiro, mas até hoje, na prática, eles não foram operacionalizados. Eu tive notícia de apenas um mutuário que conseguiu a aprovação, mas a maioria ainda está enfrentando problemas.”
Propaganda enganosa
Vinicius Mota, da ABMH, afirmou que a entidade deve entrar com uma ação judicial contra a Caixa. “A ação vai ser proposta não só por causa dos atrasos dos financiamentos da linha pró-cotista, mas também pela falta de informação, que causa um dano coletivo aos mutuários. Nós também estamos pensando em mencionar no processo a prática de propaganda enganosa, já que a Caixa anunciou a liberação de recursos para a linha, mas os financiamentos não estão acontecendo”, diz.
Para Marcelo Prata, presidente do Canal do Crédito, o governo pode ter anunciado a liberação de recursos para a linha pró-cotista para elevar sua taxa de aprovação junto à população. “Como a linha pró-cotista tem taxas de juros baixas, de 9,9% ao ano, fica bonito na foto dizer que os recursos estão sendo liberados. Além disso, é uma linha que atinge a população de classe média, que vem sentido mais os efeitos da crise. O efeito político do anúncio é muito forte”, diz.
O presidente do Canal do Crédito explica que os recursos liberados pelo Conselho Curador do FGTS podem estar sendo canalizados para o programa Minha Casa Minha Vida, que também usam recursos do fundo de garantia.
Prata explica que parte dos recursos do Minha Casa Minha Vida são repassadas pelo governo diretamente às construtoras responsáveis pelos empreendimentos que fazem parte do programa de moradia popular. “Algumas construtoras só iniciam as obras quando 70% das unidades já foram vendidas a participantes do Minha Casa Minha Vida. Por isso, o governo pode estar priorizando o repasse dos recursos do FGTS a essas construtoras para que não haja atraso na entrega das unidades”, afirma.
Ele diz ainda que os imóveis comprados no âmbito do Minha Casa Minha Vida por famílias com renda de até 1.600 reais podem contar com subsídios do governo. Assim, parte do imóvel é paga pelo participante do programa e outra parte é paga pelo governo diretamente à construtora responsável pelo empreendimento.
“Os recursos liberados pelo Conselho Curador do FTGS são usados tanto para a linha pró-cotista, quanto para o Minha Casa Minha Vida. Mas esse dinheiro não está indo para as pessoas físicas, que utilizam a linha pró-cotista, ele está sendo usado para honrar os repasses às construtoras do Minha Casa Minha Vida”, diz.
Recentemente, a Caixa também anunciou que o percentual exigido de entrada para o financiamento de imóveis usados seria reduzido de 50% para 30%. Conforme destaca Prata, o anúncio surpreendeu o presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Rubens Menin e outros participantes do mercado.
“Quando o presidente da associação que reúne as maiores incorporadoras do mercado fala que foi surpreendido, é um sinal claro de que a Caixa não está se falando com o setor. Parece que os anúncios de ampliação do crédito têm sido feitos para fins políticos, talvez para passar um certo otimismo e uma imagem de que existe luz no fim do túnel”, diz o presidente do Canal do Crédito
Como fazer valer seus direitos
Vinicius Mota afirma que a ABMH tem orientado clientes da Caixa a recorrer ao poder judiciário caso a carta de crédito tenha sido aprovada e os recursos não tenham sido liberados. “É como se a Caixa prometesse que vai emprestar um dinheiro que não tem. Isso fere o Código de Defesa do Consumidor”, diz.
Ele afirma que a ação deve ser proposta com o objetivo de reaver perdas e danos causados pela falsa promessa de financiamento.
Caso o mutuário não possa aguardar a decisão judicial, Mota recomenda que outra linha de crédito seja buscada pelo mutuário dentro da Caixa ou até mesmo em outro banco para evitar danos maiores, como a perda do imóvel. Assim, as diferenças entre as taxas da linha pró-cotista, que haviam sido aprovadas na carta de crédito, e as taxas praticadas no novo financiamento podem ser cobradas por meio do processo judicial.
“Se o serviço foi disponibilizado e o crédito foi aprovado, o contrato deve ser cumprido pela Caixa. O mutuário não deve arcar com o ônus causado pela falta de recursos, não é sua responsabilidade”, defende Mota.
O consultor da ABMH afirma que as chances de sucesso do mutuário ao entrar com um processo judicial como esse são grandes, mas para que a decisão seja favorável, é preciso comprovar que o financiamento foi aprovado e houve atraso no cumprimento do contrato. Essa comprovação, segundo ele, pode ser feita por meio da apresentação da carta de crédito aprovada, de e-mails, documentos e até por meio do depoimento de testemunhas que afirmem que a Caixa prometeu os recursos, mas não entregou.
Ele orienta que o mutuário procure advogados já especializados nesse tipo de causa. Ainda que os honorários variem muoito de acordo com o caso e o profissional, Vinicius Mota diz que alguns advogados permitem que o pagamento dos honorários seja prorrogado para o final do processo para que os serviços sejam pagos com o próprio valor obtido com a indenização paga pela Caixa.