A invasão russa ao território da Ucrânia já movimentou o mercado e deve, no curtíssimo prazo, inflacionar ainda mais os preços das commodities internacionais como petróleo e seus derivados, o que deverá refletir imediatamente na economia, inclusive no agronegócio, dependente desses insumos e com negócios balizados o tempo todo em dólar. A inflação que assola o Brasil deve ser intensificada, mediante o ritmo do conflito internacional.
A valorização dos preços dos insumos – reflexos da pandemia e da valorização do dólar sobre o real – já influenciou negativamente o planejamento dos produtores rurais de Mato Grosso em relação à safra atual, a 2021/22, e já estava sendo contabilizada nas planilhas do novo ciclo, o 2022/23. Antes mesmo da repercussão do ataque russo à Ucrânia, as principais entidades ruralistas já recomendavam o uso racional, ou mesmo o uso zero de fertilizantes na próxima safra, como forma de driblar os aumentos dos insumos, que têm matérias-primas importadas e com originação na Rússia, como nitrogenados. Economizar em adubos e fertilizantes será regra de ouro a partir de agora, com o novo conflito mundial.
O preço dos fertilizantes, por exemplo, já tinha aumentado ano passado, pressionando os custos de produção em Mato Grosso, conforme noticiado aqui pelo MT Econômico. Com a atual guerra entre a Rússia e a Ucrânia e as sanções previstas dos países da União Europeia e Estados Unidos, o cenário pode ficar ainda pior para o agronegócio e população em geral.
Mato Grosso, maior produtor de grãos, algodão e detentor do maior rebanho de bovinos no Brasil, é também o maior consumidor de fertilizantes por hectare do mundo. O Brasil, por exemplo, é maior importador de insumos da Rússia, cerca de 20%, e Mato Grosso, por sua vez, é o maior importador nacional. Em 2021, por exemplo, o Estado importou mais de US$ 3,11 bilhões, sendo que 85% das aquisições foram relativas a adubos e fertilizantes, o que somou negócios de US$ 2,7 bilhões, o maior volume despendido na história das importações mato-grossenses.
Aliás, a parcela ´insumos’ na produção agrícola, é a que mais pesa nos custo dos produtores. O mais recente levantamento acerca de despesas no campo, feito pelo Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), mostra que em fevereiro, o custo com fertilizantes representou 47,23% de todo o custeio da lavoura, que ficou estimado em R$ 4.639,19/ha para a safra 2022/23. “Com os altos custos estimados para a safra, é importante que o produtor esteja atento à relação de troca (RT) entre os preços dos fertilizantes e a cotação futura da saca da soja (contrato março de 2023). Esse cálculo auxilia o produtor no momento da negociação do seu produto”, aconselham os analistas. As importações brasileiras de fertilizantes no mês de janeiro já vinham refletindo as tensões geopolíticas entre a Rússia e Ucrânia.
As estimativas projetavam um consumo de mais de 40 milhões de toneladas de fertilizantes no Brasil, em 2021.
IMPACTOS – Os mercados reagiram com nervosismo ao ataque russo ao leste da Ucrânia, autorizado na noite de ontem pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin. O barril do petróleo disparou e as Bolsas de valores desabaram na Ásia e na Europa.
No início da manhã de ontem, o barril do petróleo WTI para abril subiu 8,18%, cotado US$ 99,65 em Nova York. O Brent negociado em Londres para abril já era cotado a US$ 104,97, com valorização de 8,38%.
Na Ásia, as Bolsas fecharam no território negativo. Xangai encerrou com queda de 1,7%. Em Tóquio, o índice Nikkei recuou 1,81%. Em Hong Kong, a queda foi ainda mais acentuada: 3,21%.
Na Europa, as Bolsas também operam com perdas consistentes. Em Londres, a baixa é de 2,81%. Em Frankfurt, a queda é de 3,67%. Em Paris, o recuo chega 3,99%.
O mercado de commodities também é atingido pela invasão russa à Ucrânia. O trigo sobe quase 6% na Bolsa de Mercadorias de Chicago (CBOT). Os contratos do milho caem 5% e a soja tem perdas de 4,9%.
ANÁLISE – Após o início da operação militar da Rússia na Ucrânia, o mercado internacional de trigo registrou fortes elevações. Em Chicago, os preços fecharam a sessão desta quinta-feira no limite de alta para o dia. As cotações dos fertilizantes ainda não variaram significativamente, mas a tendência também é de valorização.
Os consultores de SAFRAS & Mercado, Élcio Bento, especialista em trigo, e Maísa Romanello, especialista em fertilizantes, analisam o momento.
Conforme Bento, as commodities são ativos de risco e, normalmente, incertezas fazem investidores liquidarem suas posições e buscarem ativos mais seguros. “Esta situação específica, para o trigo, é diferente, pois a região do Mar Negro, onde estão Rússia e Ucrânia, é onde há mais trigo no mundo”. Ele lembra que a possibilidade de conflito já estava no radar dos investidores. “A preocupação, agora, é que o prolongamento possa trazer desabastecimento. Além dos efeitos imediatos de redirecionamento da demanda, há incertezas quanto à manutenção dos cultivos das lavouras para o próximo ano comercial”.
O analista ressalta que ainda é cedo para mensurar o potencial efeito da crise.
Já para os fertilizantes, conforme Romanello, o conflito traz de volta a incerteza ao Brasil. “A expectativa anterior, ainda de fevereiro, era de queda nos preços da ureia no Brasil. Isso acabou. Agora, a principal palavra, de novo, é incerteza”, lamentou. Ela explica que a elevação dos preços deve demorar a ser sentida no Brasil, uma vez que o produto é importado. “Há um certo ‘delay’ até que os produtores comecem a comprar fertilizantes e sintam a alta”, observou.
A alta dos preços leva em conta, basicamente, as sanções à Rússia, que deve interromper sua produção de gás natural, assim elevando os preços desta que é a principal matéria-prima para fertilizantes nitrogenados. Isso também pode afetar os preços do carvão, que também é matéria-prima importante. O mesmo vale para o petróleo que, além de matéria-prima, também afeta os custos dos fretes marítimos. (Com Safras & Mercados)
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