O mercado consumidor de hortaliças e frutas no noroeste de Mato Grosso é orientado por dois fatores principais: preço e aparência.
Este cenário compõe alguns dos desafios existentes à ampliação da fatia da produção local e orgânica nas gôndolas dos supermercados da região, aponta estudo sobre consumo emergente de hortifrutigranjeiros realizado pelo Instituto Centro de Vida (ICV).
A pesquisa foi realizada com moradores de seis municípios: Alta Floresta, Sinop, Colíder, Cotriguaçu, Paranaíta e Nova Bandeirantes, todos localizados em áreas sob intensa pressão de degradação ambiental e região conhecida como “Arco do Desmatamento”.
Os participantes da pesquisa foram classificados entre práticos, que buscam todas as compras em um mesmo lugar, os “hunters”, que priorizam qualidade e compram em diferentes lugares, os “default”, que não mostram abertura a conhecer novos varejos; e os passivos, com a tendência é aguardar ofertas e oportunidades de compra de produtos.
A maior parte, mostra o estudo, possui perfil de consumo prático, com 52,68% e que junto dos hunters, com 35,71%, representam mais de 88% do total dos entrevistados.
Para os dois grupos majoritários, o estudo apontou que existe interesse na compra de hortifrutigranjeiros produzidos localmente e de forma orgânica.
A maior parte dos entrevistados demonstrou conhecimento sobre os benefícios dos orgânicos e de produtos locais, que relacionaram com maior qualidade de frescor e sabor dos alimentos, incentivo à economia local e menor impacto ambiental.
Mas não há identificação da origem dos produtos nas prateleiras dos supermercados da região e o consumo de orgânicos ainda é restrito a um nicho reduzido, principalmente pela baixa disponibilidade e pelos altos preços.
O aumento no consumo dos produtos da região esbarra na concorrência de hortifrutigranjeiros advindos do Ceasa de outros estados, na falta de assessoria técnica às famílias agricultoras para transição para o método sustentável e nos custos da obtenção do selo de orgânico.
Muito disso se deve à falta de arranjos institucionais que garantam que a produção sustentável seja adotada de forma expressiva e acessível na região.
É o que explica a coordenadora do Programa de Negócios Sociais do ICV, Camila Rodrigues.
“Como acesso a crédito rural, assistência técnica, logística e infraestrutura”, cita. “Se para a produção familiar convencional local já existem barreiras nesses arranjos, para a orgânica mais ainda. Quando existe algum tipo de apoio às cadeias de valor sustentáveis, na maior parte dos casos são possíveis pela atuação do terceiro setor.”
Em 2019, o ICV apoiou a formação da Rede de Produção Orgânica da Amazônia Mato-grossense (REPOAMA).
A rede irá funcionar como um Sistema Participativo de Garantia (SPG), uma das modalidades para obtenção do certificado orgânico previstas pela legislação brasileira e que permite diminuição de custos ao possibilitar a união das organizações comunitárias da agricultura familiar.
“Segue as mesmas regras da lei nacional, mas as visitas e averiguações em campo são feitas pela própria rede. Isso não só diminui o custo nas duas pontas, agricultores e consumidores, mas também cria um sistema extremamente confiável, visto que não dependem de uma auditoria uma vez ao ano, e são grupos de vizinhos que se acompanham ao longo de todo período”, explica a coordenadora.
Atualmente, a organização aguarda a visita de equipe do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para credenciamento como Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade (OPAC). A vistoria foi adiada com a suspensão das atividades presenciais do órgão pela pandemia.
“A pesquisa mostrou que existe uma janela de oportunidades que já pode ser aproveitada com a disponibilização de produtos e comunicação constante. Isso mostra que estamos no caminho certo”, avalia Camila.
A característica de orgânico, entretanto, ainda não é o fator de maior relevância na hora da compra e deixa de ser priorizada pelos altos preços.
O estudo mostrou que 43,7% dos entrevistados não têm o costume ou não compra nenhum orgânico. O restante (48%) está dividido entre quem compra a maioria dos vegetais orgânicos (19,6%) ou entre quem menos da metade da compra geral é orgânico (29%).
A pesquisa também mostrou que hortifrutigranjeiros em geral não são prioridade no abastecimento da compra.
Para mais de 70% dos entrevistados, a aquisição desses alimentos é uma compra de oportunidade, ou seja, quando saem de casa para comprar outros mantimentos no mercado e acabam adquirindo hortifrutigranjeiros.
“Entendemos que o consumo de produtos orgânicos é uma escolha, mas qual a porcentagem de pessoas que hoje possuem poder de escolha no consumo de seus alimentos?”, questiona a especialista.
De acordo com Camila, o país vive um estado de injustiça alimentar. “O acesso a produtos de qualidade não deveria ser um luxo de quem pode pagar. Deveria ser um direito”, diz.
Pandemia
A situação de dificuldades no acesso a uma alimentação mais saudável ainda foi agravada pelo advento da pandemia pelo covid-19.
O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) mostrou que, em 2021, 55% da população brasileira sofre algum grau de insegurança alimentar.
Na região norte e noroeste de Mato Grosso, os impactos da pandemia somaram-se às dificuldades de logística e comercialização previamente enfrentadas pela agricultura familiar da região amazônica, afastada dos grandes centros urbanos.
A interrupção do fornecimento aos mercados institucionais por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE), o fechamento de estabelecimentos e a suspensão das feiras teve efeitos socioeconômicos significativos.
Para apoiar os agricultores familiares a atravessar a crise sanitária e garantir o acesso à alimentação saudável na cidade de Alta Floresta, centro urbano da região, a iniciativa Rota Local apoia organizações comunitárias no serviço de logística e vendas dos produtos da agricultura familiar há mais de um ano.
Desde janeiro de 2020, o projeto resultou em mais de R$278 mil de faturamento para cerca de 25 famílias.
A iniciativa integra o Redes Socioprodutivas, projeto financiado pelo Fundo Amazônia/BNDES e implementado pelo ICV desde 2018 para apoiar organizações comunitárias no fortalecimento das cadeias produtivas de café, babaçu, cacau, leite e hortifrutigranjeiros da região.