O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, deu o tom no início do mês: a despeito da crise provocada pela pandemia, o país poderá conviver com taxas de juros próximas do atual patamar e com um câmbio mais depreciado nos próximos anos se continuar a perseguir o reequilíbrio das contas públicas.
O mercado projeta uma taxa básica de juros em 2% ao ano em dezembro, abaixo do nível atual de 2,25%, segundo o relatório Focus do BC. Analistas apontam ainda uma Selic em 3% no fim do próximo ano e em 5% no fim de 2022.
São juros que aproximam o país de uma realidade civilizatória com a qual países ricos e parte dos emergentes já estão acostumados. Civilizatória porque não há caso de país que tenha conseguido se desenvolver com juros tão altos como aqueles com os quais o Brasil conviveu por décadas, acima dos 10% ao ano.
Os juros baixos podem significar um fator adicional de impulso de médio e longo prazo para o desenvolvimento do país, de forma semelhante aos efeitos advindos do controle da inflação com o Plano Real, a partir de 1994. Os seus impactos positivos em cadeia começam a se espalhar pela economia.
São efeitos sentidos pelo pequeno investidor no mercado financeiro há algum tempo, quando ele se dá conta de que terá que sair do conforto da renda fixa e migrar para a bolsa ou para ativos de maior risco se quiser uma rentabilidade mais alta.
Para o mercado de imóveis, a Selic em níveis historicamente baixos se traduziu em taxas de juros cada vez menores, graças ao custo mais baixo de captação dos bancos e à competição entre eles para conquistar o consumidor. E isso aqueceu o mercado, gerando negócios para empresas e ampliando o patrimônio das famílias.
As vendas de imóveis na cidade de São Paulo bateram recorde em 2019, segundo o Secovi-SP (sindicato que representa as empresas do setor imobiliário no estado).
Em escala maior, juros baixos impactam também empresários e grandes investidores, que passam a dispor de outra referência antes da decisão de alocação de recursos. O custo de tomar dinheiro no mercado também cai, o que permite que companhias tenham mais recursos para os seus negócios.
O baixo rendimento reduz a atratividade de títulos públicos, levando investidores a avaliar alternativas para obter um retorno maior: podem ser projetos da economia real, direta ou indiretamente, o que acaba estimulando o crescimento.
Um dos segmentos mais beneficiados deve ser o de infraestrutura, dada a necessidade de obras (que demandam capital) para melhorar portos e rodovias, entre outros. São investimentos que vão aumentar a produtividade da economia.
“Projetos que antes não eram viáveis do ponto de vista de retorno de capital passam a fazer sentido”, afirma André Rebelo, assessor para assuntos estratégicos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Ele enxerga a oportunidade de uma mudança estrutural na economia brasileira, que não será sentida da noite para o dia, mas gradualmente.
Rebelo aponta como outro efeito positivo o aumento das emissões de títulos privados por empresas, que passam a conseguir captar recursos no mercado de capitais a um custo mais baixo do que pelo sistema financeiro. Houve crescimento de 20% no saldo desses títulos no mercado no período de um ano até maio, o dobro do aumento do crédito por meio de bancos, segundo dados do BC.
Os juros cobrados pelas instituições financeiras começam gradualmente a acompanhar a queda da Selic, mas a intensidade é menor. Isso acontece porque a Selic serve de referência, mas não é o único determinante para a composição da taxa final de juros para as empresas e os consumidores.
A falta de garantias para quem empresta em caso de inadimplência, os tributos cobrados pelo governo e a margem de lucro das instituições financeiras ajudam a jogar os juros lá para cima na ponta do tomador. As taxas médias em maio foram de 14,2% ao ano para empresas e de 42,7% para pessoas físicas (entenda por que você não sente a redução da Selic no bolso).
Mas os efeitos positivos podem alimentar um círculo virtuoso, avalia Carlos Pedroso, economista-chefe do banco japonês MUFG no Brasil. “Está tudo encadeado, uma coisa puxa a outra. Os juros baixos estimulam o consumo e o investimento, se refletem no emprego, e isso melhora a arrecadação do governo”, diz. Tudo somado, há geração adicional de riqueza para famílias e empresas.
Estado eficiente
As receitas do governo ainda demoram a reagir em meio à pandemia, mas outro efeito positivo da Selic mais baixa já tem sido sentido nas contas públicas. Como a taxa Selic é a principal referência para os juros da dívida, o governo tem conseguido reduzir de forma significativa essa despesa: apenas em 2019, a economia foi da ordem de R$ 68,9 bilhões com a queda da taxa de 6,5% para 4,5% ao longo do segundo semestre, segundo cálculos do Ministério da Economia.
É um valor que supera o investimento do governo federal no ano passado, que ficou em R$ 56,6 bilhões.
No início do ano, o consenso de mercado apontava que os 4,50% permaneceriam ao longo de 2020. Mas a queda brutal da atividade provocada pela pandemia do novo coronavírus levou o BC a reduzir essa taxa pela metade. E, como explicitado acima, com perspectivas de que fique patamares baixos pelo menos até 2022.
“A gente ganhou aí uma janela de dois anos ou um pouco mais para avançar nas reformas e garantir uma sinalização de equilíbrio fiscal”, afirmou o então secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, em live para o InfoMoney há um mês.
A sinalização é o compromisso de que o país vai continuar a perseguir a solvência fiscal no médio prazo. Significa que, passado o período de gastos extraordinários com a pandemia, o governo vai retomar a agenda de medidas que deem aos investidores a confiança de que a dívida do país é administrável e que, portanto, os juros não precisam subir. É a premissa citada por Campos Neto.
Nesse cenário, o país terá uma nova condição necessária, embora não suficiente por si só, para retomar o caminho do crescimento sustentável. Medidas como a melhoria do ambiente de negócios (reflexo direto da reforma tributária, para ficar em um exemplo) e o investimento em educação são também fundamentais.
O caminho é longo, mas o país avança um pouco mais com os juros baixos.