O Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) decidiu, ontem (30), manter a medida preventiva imposta pela Superintendência-Geral (SG) às entidades do Grupo de Trabalho da Soja e às empresas exportadoras signatárias da Moratória da Soja, mas com aplicação apenas a partir de 1º de janeiro de 2026. A decisão foi tomada pelo Tribunal durante a 255ª Sessão Ordinária de Julgamento.
A medida preventiva determina que as empresas se abstivessem de coletar, armazenar, compartilhar ou disseminar informações comerciais referentes à venda, produção ou aquisição de soja – tanto de produtores rurais como de empresas exportadores –, com destaque às informações referentes a preço, volume e origem do produto comercializado, dentre outras medidas. Essa determinação foi adotada em agosto deste ano no contexto do processo que investiga possíveis condutas anticompetitivas no mercado nacional de produção e venda de soja, diante de preocupações de que a troca sistemática de informações sensíveis pudesse afetar a concorrência.
A investigação teve início a partir de uma representação encaminhada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados. O documento apontava que os signatários da Moratória da Soja teriam acordado em não adquirir grãos de produtores com áreas cultivadas em regiões desmatadas do bioma amazônico após 2008. O compromisso particular, firmado entre empresas do setor, aplica-se exclusivamente à soja, não abrangendo outros tipos de cultivo.
Segundo apuração da SG/Cade, empresas privadas concorrentes criaram o chamado Grupo de Trabalho da Soja, com a finalidade de monitorar o mercado e viabilizar um acordo que estabelecesse condições para a compra da commodity no país. Para a SG, tal prática constitui um acordo anticompetitivo entre concorrentes que prejudica a exportação de soja. Diante desse cenário, foi adotada a medida preventiva, que também determinava a suspensão de auditorias, a retirada de documentos relacionados à moratória de sítios eletrônicos e a abstenção de divulgar listas e relatórios que instrumentalizassem o acordo.
O caso foi julgado pelo tribunal da autarquia depois que entidades envolvidas no processo apresentaram recursos voluntários solicitando a suspensão da medida. O conselheiro-relator, Carlos Jacques, votou pelo não provimento dos recursos, defendendo a manutenção integral da medida preventiva. Para ele, mesmo quando não envolvem preços, informações como fornecedores e volumes de compra podem reduzir a competitividade no setor e gerar efeitos anticompetitivos duradouros.
O conselheiro José Levi divergiu do relator e votou pelo parcial provimento dos recursos, propondo a suspensão da eficácia da medida preventiva até 31 de dezembro de 2025, a fim de criar um período de diálogo entre agentes públicos e privados.
O Tribunal, por maioria, conheceu os recursos voluntários interpostos e, no mérito, deu parcial provimento para suspender a eficácia da medida preventiva até o fim de 2025, nos termos do voto do Conselheiro José Levi.
ATENÇÃO – O Greenpeace Brasil vê como positiva a decisão dos conselheiros do Cade, mas analisa que o contexto ainda é de vigilância e atenção.
“O voto dos conselheiros do Cade em manter vigente a Moratória da Soja reconhece o risco de interromper este acordo multissetorial, que apresenta há décadas resultados tão positivos para conter o desmatamento da Amazônia. No entanto, seguimos vigilantes para que a iniciativa siga viva e atuante em 2026. A Moratória da Soja foi a primeira iniciativa de desmatamento zero no mundo, meta que hoje faz parte de compromissos corporativos e até do Acordo de Paris, e esperamos que seu papel e contribuição para a agenda climática seja reconhecido e referendado pelas autoridades brasileiras, sejam elas do Cade ou Supremo Tribunal Federal, para acabar de vez com os ataques à iniciativas que combatem a destruição ambiental”, afirma a coordenadora de Florestas do Greenpeace Brasil, Cristiane Mazzetti.
Nos últimos anos, o Greenpeace Brasil vem alertando sobre os ataques à Moratória por parte de setores do agronegócio e de políticos alinhados aos seus interesses, que têm atuado para enfraquecer regulações e leis ambientais – a exemplo do que tem ocorrido com o PL da Devastação.
“Com este novo capítulo sobre a Moratória da Soja, esperamos que as discussões sigam de maneira a incentivar que iniciativas, privadas, públicas ou multissetoriais, possam ir além do que já está determinado por lei para proteger o clima e os ecossistemas. Sem iniciativas adicionais, não chegaremos ao desmatamento zero e nem cumpriremos a meta estampada na NDC brasileira”, completa Mazzetti.
O VAI-E-VEM DA MORATÓRIA – Em agosto, uma medida preventiva da Superintendência-Geral do CADE suspendeu a Moratória da Soja. Essa medida foi levada à Justiça Federal, em Brasília, e suspensa por decisão liminar logo na sequência. A decisão judicial se deu em ação ajuizada pela Abiove contra a medida preventiva da Superintendência-Geral do Cade, a qual determinou que a preventiva ficaria suspensa até o julgamento do recurso administrativo apresentado pela Abiove ao Cade, o que ocorreu ontem.
O julgamento do Cade contou com representações do Ibama e Ministério do Meio Ambiente/AGU, que fizeram sustentação oral em defesa da Moratória da Soja, defendendo sua relevância para a política pública ambiental brasileira e para o combate ao desmatamento, e também com alguns conselheiros do Cade reconhecendo, em seus votos, os riscos de dano ambiental irreversível que a suspensão do acordo pode ocasionar.
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