O setor automotivo passou, devido a pandemia, por muitos desafios. Novas tendências no mercado começaram a surgir, desde questões de produção industrial, novo comportamento do consumidor e até uma nova precificação dos veículos.
O MT Econômico entrevistou Paulo Boscolo, diretor da Fenabrave-MT, instituição responsável por representar as concessionárias de veículos do Estado, para saber quais as expectativas para o segmento, o motivo do aumento nos preços e as novas tendências no mercado.
Paulo Boscolo voltou recentemente da conferência NADA (National Automobile Dealers Association) ou Associação Nacional de Vendedores de Automóveis, em tradução livre – realizada em Dallas, nos Estados Unidos. De acordo com o diretor da Fenabrave-MT, o evento abordou assuntos como gestão de pessoas, inteligência artificial (IA), além de softwares de gestão de concessionárias.
Para ele, as tecnologias estarão sempre presentes para revolucionar todas as áreas, como por exemplo, o carro autônomo, que há alguns anos atrás era um dos mais discutidos no mercado e apesar da ideia ainda não ter tido nenhum resultado de sucesso absoluto, originou vários comandos tecnológicos aos veículos, incluindo piloto automático adaptativo (segue o carro da frente na mesma direção em termos de velocidade), o auxílio de frenagem (evita que o carro colida com outro, caso o motorista se distraia), além de uma série de confortos eletrônicos.
“Isso nos deixa mais do que convencidos que a indústria tem capacidade de produzir esses carros [autônomos], mas isso ainda não é viável. Você tem que construir uma cidade voltada para o carro autônomo e enfim, é uma coisa que não é funcional […]. A capacidade do homem de produzir novas tecnologias é gigante e a gente começa enxergar a mesma coisa quando há três, quatro anos atrás, falávamos do carro elétrico”, segundo Boscolo.
O diretor da Fenabrave-MT disse ainda que “essa discussão não vai deixar de acontecer nunca mais, mas não apenas por conta da economia do combustível, mas principalmente, devido a descarbonização do planeta. Isso vai desde o combustível que é abastecido no carro, até o lixo que você descarta e a energia que ilumina a sua casa. Porém, aquilo que se falava e que muita gente comenta até hoje que determinada marca a partir de 2035 vai ser totalmente elétrica, ou que algum país tem que ter 50% da frota circulante elétrica, entre outras coisas, isso tudo esbarra em uma série de questões. A produção das baterias elétricas, pelo menos hoje, demora certo tempo para ocorrer. As fontes de extração dos minérios necessários, são basicamente, em minas de países que não tem o menor cuidado com a legislação, nem com a questão humana. São condições sub-humanas, com legislações que beiram a escravidão. Numa hipótese de aqui a 5/10 anos, digamos que a gente tenha essa frota inteira elétrica como se fosse um passe de mágica, substituindo toda a frota de carros a combustão, se isso ocorresse teria se esgotado toda a fonte de minério no mundo. Porque assim como o petróleo, os recursos para isso também são finitos”, ressaltou o executivo.
Paulo ainda explica que fora esses fatores, é preciso pensar em outras questões, como o tempo de carregamento desses veículos. Ele cita um exemplo de uma família que está viajando para outro estado, o tempo de duração de recarga completa dos carros elétricos atualmente, é de mais ou menos 6 a 8 horas. Se uma família estiver viajando para São Paulo de carro, com o tempo de viagem, seria necessário parar pelo menos 3 a 4 vezes para recarregar o carro, o que faria aumentar consideravelmente o tempo do trajeto.
Uma solução para o futuro e o problema com a dificuldade para conseguir energia suficiente para o abastecimento de carros elétricos, seria um meio termo. Carros híbridos, funcionantes através de combustíveis renováveis, como o etanol à base de milho. Este, além de ser uma boa opção, se tornaria viável, especialmente para os brasileiros e os mato-grossenses, já que, Mato Grosso é líder na produção desse tipo de combustível à base de milho.
Retomada nas vendas no pós-pandemia
Em janeiro de 2023, ocorreu um aumento de 12% nas vendas, com relação ao mesmo mês do ano passado, conforme noticiado pelo MT Econômico. Entretanto, quando comparado com dezembro de 2022, houve queda de vendas. Paulo explica que esse aumento da comercialização em janeiro deste ano, com relação a janeiro passado, é propício ao que ele chama de pior momento no mercado, devido à falta de suprimentos por conta da pandemia, e ao longo do ano de 2022 o problema foi sendo resolvido. Já que com a vacina, as medidas de isolamento começaram a ser flexibilizadas e aos poucos, as atividades foram voltando a um ritmo próximo do normal.
“Com isso, a relação de oferta e procura estava completamente ao contrário. Na nossa vida como concessionário é comum ter mais oferta do que procura. Uma concorrência maravilhosa em favor do consumidor, porque, ele sempre teve escolha, opções entre cores, modelos e etc. Durante a pandemia, nós vivemos um período em que isso não acontecia. Tinham filas imensas de 45 a 60 dias para chegar um modelo e isso quando falamos em automóveis, porque se for falar de máquinas agrícolas, as filas de espera chegaram a durar mais de um ano”.
Paulo explica ainda que colegas que trabalham com vendas de caminhões, por exemplo, chegaram a dizer para ele, ainda em 2022, que os veículos comprados para 2023 já estavam vendidos e que estavam aguardando a remessa de 2024.
“Agora nós estamos vivendo de novo, aquilo que estávamos acostumados. A maioria das marcas já tem qualidade de estoque, ainda em uma relação sadia com a produção. Nada muito exagerado, como já chegou de acontecer no passado, de termos 90 dias de um carro no pátio. Mas hoje, o consumidor já tem a opção de escolha, é possível optar entre três, quatro marcas, com a possibilidade de compra à pronta entrega”.
Processo de venda
O diretor da Fenabrave-MT esclarece que existem algumas variáveis no processo da venda de um carro, sendo elas: oferta e procura, velocidade de produção da indústria e a terceira, que na sua opinião, é muito importante, o cenário político de um país. Paulo aprofunda no terceiro ponto explicando que o Brasil vive um momento de incertezas.
“A gente ouve falar de muitos cancelamentos de pedidos, para aguardar uma confiança maior na nova equipe econômica do governo federal. A gente entende que começa a construir um novo tipo de demanda reprimida; não aquela que deixou de ser atendida por falta de produto, mas a que não foi atendida pela falta de decisão das novas políticas econômicas. Temos um 2023 bastante desafiante pela frente”, frisa Boscolo.
Outro fator importante observado durante a entrevista ao MT Econômico, foi a redução de juros do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), algo que realizado anteriormente no governo Lula, e que o ex-presidente Jair Bolsonaro replicou em seu governo, mas que devido a vários fatores econômicos não teve tanto efeito na redução de preços.
Redução de juros
Em meados de 2008, na época, o governo Lula realizou uma redução do IPI e isso foi um incentivo para as pessoas comprarem carros, além também de haver naquele período créditos vantajosos e facilidade de financiamentos. Atualmente, a alta da taxa Selic (Taxa Básica de Juros) tem atrapalhado a concessão de crédito para todos, o dinheiro está mais caro e não há expectativa para a diminuição da Taxa, já que atualmente está ocorrendo uma ‘briga’ entre a autonomia do Banco Central e o Governo Federal.
“Nós tivemos no passado, durante o governo do PT, um resultado bastante positivo do incentivo do IPI. Era um momento diferente, meio que inverso. Tínhamos falta de procura, estoques elevados e uma estabilidade de preços. O efeito de valor do veículo na época não foi tão grande, era uma coisa muito mais psicológica, o cliente ia na concessionária entendendo que ele tinha uma boa oportunidade de compra com crédito facilitado. Foi um sucesso! Hoje, até foi feito um movimento semelhante no governo do (ex) presidente Bolsonaro, mas, a loucura que estava a questão de preços era tão grande que o fator de redução de IPI praticamente desapareceu” revela o diretor da Fenabrave-MT.
Paulo explica que a formação de preços depende, basicamente de três fatores:
“O primeiro é o custo direto – os fornecedores na falta de produtos aumentaram absurdamente mês após mês, os preços dos componentes. O que por si só, já é um motivo suficiente para justificar o aumento do carro ao consumidor final”.
O segundo fator, segundo Boscolo é a capacidade produtiva industrial. “Imagina uma indústria que tem a capacidade instalada para x mil veículos/mês, pela falta de componentes ela vai fazer aquilo dividido por 2, ou até menos. Uma Mitsubishi, por exemplo, estava em uma escala de mais ou menos 2 mil veículos por mês. Na pandemia estava conseguindo produzir menos de mil. Imagina o quanto isso carrega no custo fixo da operação”.
O terceiro fator, Paulo explica que é a lei da oferta e procura. Segundo ele, “existem dois tipos de consumidores, aqueles que compram o veículo para o lazer e os que os utilizam para trabalhar”. Ele acrescenta que “se não houvesse esse mercado comprador, provavelmente não haveriam aumentos, porém, muito mais demissões, empresas fechando e indústrias abandonando o país”, conclui.
Segundo as ponderações do entrevistado, em relação ao custo da indústria, se há uma planta para produzir 2 mil carros por mês e produzir apenas mil, o custo fixo é praticamente o mesmo. A concessionaria não quer aumentar o preço, mas se reduzir ou mantiver os valores como estavam, ela vai precisar realizar cortes de funcionários ou reduzir a produção, sendo em alguns casos, até fechar. A Volkswagen, por exemplo, pela falta de componente, deu férias coletivas no final de fevereiro até o início de março deste ano aos seus funcionários, o que vai desacelerar a produção e consequentemente, o mercado em seu segmento. Isso devido a problemas ainda com falta de peças e componentes.
Veja entrevista completa abaixo:
Entrevista com diretor da Fenabrave-MT, Paulo Boscolo