A continuidade dos serviços de distribuição de energia elétrica no Brasil é medida por dois indicadores denominados DEC (Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora-tempo que é, em média no ano que cada unidade consumidora ficou sem energia elétrica) e FEC (Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora-número de interrupções ocorridas que é, em média no ano que cada unidade consumidora ficou sem energia elétrica), apurados pela Agência Nacional de Energia Elétrica-ANEEL. A distribuidora de Mato Grosso em 2024 teve um DEC global de 15,12 horas, superior em 47,6% à média nacional que foi de 10,24 horas, e um FEC global de 6,49 vezes, superior em 32,7% à média nacional que foi de 4,89 vezes. Por outro lado, houve uma evolução em relação ao ano de 2023 e ocupa agora a primeira posição no ranking da Região Centro Oeste.
Para a distribuidora de Mato Grosso, a ANEEL definiu um arranjo com 88 conjuntos elétricos distribuídos no estado, cada um com um limite mínimo a ser cumprido pela empresa com relação ao DEC FEC. Apesar da empresa ter apurado um DEC e FEC global dentro do limite estabelecido pela ANEEL, quando se analisa por conjunto elétrico, e isto a ANEEL analisa também, ela descumpriu 20 conjuntos dos 88, violando os limites ou do DEC ou do FEC ou de ambos. Estes 20 conjuntos representam 22,7% do total e em termos de consumidores cerca de 15% do total.
No Brasil em 2024 o DEC foi de 10,24 horas ou 614 minutos. Nos EUA o DEC médio das empresas é de cerca de 120 minutos, mas as melhores empresas possuem DEC abaixo de 60 minutos. Em alguns países da Ásia o DEC é da ordem de menos de trinta minutos anuais. E em alguns países da Europa os tempos são ainda mais baixos, porém com predominância de redes de distribuição subterrâneas que sofrem menos interrupções no fornecimento de energia elétrica. O estado e o país precisam melhorar muito o seu atendimento pelo preço que se paga e atender com mais qualidade.
Outro aspecto é que os consumidores ficam submetidos constantemente a muitas interrupções no fornecimento de energia que duram menos de três minutos. Estas interrupções não são computadas nos indicadores conforme regramento da ANEEL e são tão danosas quanto as interrupções maiores, pois interrompem o processo produtivo nas indústrias, causam transtornos ao comércio, paradas de elevadores em prédios, apagam sinais de trânsito, provocam queima de equipamentos, etc. Tem ainda as oscilações e o VTCD-Variações de Tensão de Curta Duração que afetam principalmente as indústrias e o agronegócio, que não são medidas e não aparecem nos indicadores. Ou seja, custos sociais, econômicos e prejuízos financeiros são causados em várias situações. Muitos consumidores inclusive se utilizam de equipamentos de elevados custos como no-breaks e geradores de energia para minimizarem estes problemas.
Logicamente que a percepção da qualidade da energia elétrica pelo consumidor então é outra, vai além de dados calculados e que ainda tem expurgos, ou seja, pelo regramento atual da ANEEL as distribuidoras podem desconsiderar nos indicadores alguns tipos de interrupções. Então o DEC e FEC apurados acabam ficando distantes da percepção real dos consumidores. Os conjuntos elétricos conforme regramento atual é composto de consumidores urbanos e rurais. Como o número de consumidores rurais é muito menor que os urbanos nos conjuntos elétricos definidos pela ANEEL, a realidade no rural acaba sendo de certa forma “desapercebida”, pois as interrupções nos mesmos entram no cálculo dos indicadores de forma ponderada. As distribuidoras com isto acabam concentrando seu melhor atendimento na área urbana onde está o maior peso dos conjuntos elétricos. A insatisfação dos consumidores rurais em Mato Grosso é muito grande devido aos elevados tempos de restabelecimento quando ocorrem faltas de energia.
Em relação a outro aspecto da qualidade da energia elétrica, a ANEEL define trimestralmente amostras de consumidores para a distribuidora aferir a qualidade do nível de tensão nas mesmas. Através do indicador ICC=Índice de Unidades Consumidoras Amostrais (permanente) com tensão crítica em pelo menos um intervalo de integralização no período de medição. No caso de Mato Grosso este índice apurado em 2024 foi de 44,17%, ou seja 44,17% das unidades desta amostragem tiveram a tensão violada em pelo menos um intervalo de integralização pelos critérios da ANEEL.
As pesquisas anuais de satisfação realizadas pela ANEEL que poderiam sinalizar algo importante só são realizadas ouvindo por uma amostragem apenas consumidores residenciais urbanos. Os outros consumidores de outras classes como comercial, industrial, poder público e rural não são pesquisados. Em tese, os consumidores residenciais não são tão exigentes nos aspectos de qualidade, então porque só ouvir os mesmos? O IASC-Índice ANEEL de Satisfação do Consumidor, aferido após a pesquisa, é o que reconhece as distribuidoras mais bem avaliadas com base apenas na percepção dos consumidores residenciais urbanos. É preciso rever a metodologia para avançar na percepção mais real do consumidor, entrevistando consumidores de todas os segmentos!
Os resultados da distribuidora de Mato Grosso, com indicadores de continuidade bem superiores à média nacional sinalizam que há um grande desafio pela frente. Ressalta-se ainda os desafios com a renovação do novo contrato de concessão que prevê regras mais rigorosas com relação aos indicadores e onde eventos climáticos extremos também vão requerer maior resiliência das redes de distribuição e atendimento mais ágil nas ocorrências de interrupção no fornecimento de energia. Os desafios da concessão são grandes. O estado possui uma quantidade grande de redes monofásicas e algumas trifásicas sobrecarregadas que restringem a ampliação de novas cargas e desestimulando investimentos dos setores do agronegócio bem como do ramo empresarial, turístico e outros. E para tal, investimentos em mais linhas de alta e média tensão, trifaseamento e ampliação de redes de distribuição rurais, novos circuitos alimentadores e novas subestações deverão ser bem planejados e divulgados com visão de curto, médio e longo prazos com transparência para a sociedade, bem como a utilização de novas tecnologias e também uma melhor integração e coordenação com outras entidades e órgãos para elaboração/melhoria de planos de contingência e ações preventivas, pois a energia elétrica pode até ser interrompida mas o atendimento deve ser eficiente e ágil para seu restabelecimento no menor tempo possível, com qualidade, confiabilidade e segurança. Há quase 30 anos atrás nos contratos de concessão de distribuição para a iniciativa privada o foco era garantir o acesso à energia elétrica. Atualmente, mudou muito. O foco deve ser no consumidor, na sua satisfação, que está cada vez mais crítico, exigente e para tal deve estar no centro do negócio com maior protagonismo.
Teomar Estevão Magri, Engenheiro Eletricista com MBA em Gestão de Negócios e Coordenador de Energia da Sedec-MT
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