O crescimento nominal da renda entre os mais pobres não foi capaz de garantir o acesso desses brasileiros a uma alimentação adequada. Dados analisados pelo Instituto Pacto Contra a Fome e que constam do Boletim Mensal de Monitoramento da Inflação dos Alimentos divulgado nesta semana demonstram que, apesar de os 5% mais pobres da população terem visto seus rendimentos saltarem 218% entre 2018 e 2024, esse aumento foi insuficiente para garantir acesso a uma alimentação adequada.
A comparação leva em consideração a renda de 10,8 milhões de brasileiros, enquadrados entre os 5% mais pobres da população e cuja renda média domiciliar per capita foi de R$154 mensais, e o custo estimado da cesta NEBIN, apurado em maio em R$441 por pessoa/mês. A cesta NEBIN é composta por 84 itens alimentícios e formada, majoritariamente, por produtos in natura e minimamente processado.
Para os 50% mais pobres, aproximadamente 108,5 milhões de pessoas, cuja renda domiciliar média per capita foi de R$713 mensais em 2024, o comprometimento da renda com a cesta NEBIN subiu de 56% em 2018 para 59% em 2024, evidenciando um empobrecimento relativo frente ao custo alimentar.
A cesta NEBIN é um modelo desenvolvido por pesquisadores da UERJ, USP e UNIFESP, que é baseada no IPCA, mas segue uma composição de 84 itens, majoritariamente alimentos in natura e minimamente processados, que são a base de uma alimentação balanceada, culturalmente referenciada e promotora de um sistema alimentar mais sustentável, seguindo diretrizes do Guia Alimentar para a População Brasileira.
Levantamento anterior do Boletim Mensal da Inflação demonstrou que, comparando os dados do suplemento de rendimento da PNAD Contínua e o custo da cesta NEBIN, utilizando a mesma lógica do IPCA em que se estima o comprometimento médio da renda com alimentação (21,95%), 70,6% da população brasileira não teria renda suficiente para custear a cesta.
Regionalmente, as disparidades são ainda mais expressivas: os percentuais de exclusão alimentar sobem para 81,7% no Nordeste e 75,3% no Norte. No Centro-Oeste, esse percentual é de 72,3%. Em contrapartida, Sul (56,6%) e Sudeste (66,6%) apresentaram percentuais menores, embora ainda elevados.
Essa disparidade entre as regiões reforça o diagnóstico de que o problema da insegurança alimentar no Brasil não é apenas resultado de choques inflacionários, mas decorre da combinação persistente entre baixa renda, desigualdade territorial e restrições estruturais no acesso a alimentos saudáveis. “A fome no Brasil é, cada vez mais, uma expressão direta da desigualdade socioeconômica e pobreza. Não se trata apenas de produzir alimentos em quantidade suficiente, mas de garantir que eles sejam acessíveis à população”, conclui Maria Siqueira, codiretora do Pacto Contra a Fome.
Segundo dados do IPCA, em maio houve uma desaceleração da inflação para 0,26%, queda de 0,17 ponto percentual em relação a abril. Apesar do aumento moderado do item alimentos, esse alívio vem em um momento em que há pressão inflacionária sobre outros grupos de consumo obrigatório, como habitação e saúde, parte das chamadas despesas “incomprimíveis”. “Quando itens como aluguel, luz e plano de saúde crescem acima da média, o espaço de ajuste do orçamento recai sobre a alimentação, que é flexível, mas essencial. Isso coloca em risco a qualidade da dieta e a saúde da população mais vulnerável”, explica Maria Siqueira.
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