O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou ontem (2) um aumento significativo nas tarifas de importação, que chamou de “Dia de Libertação”. Entre as medidas, o republicano confirmou a aplicação de uma taxa de 10% sobre produtos brasileiros.
O chamado “tarifaço” é uma medida prometida pelo chefe de Estado norte-americano, com a intenção de implementar tributação a países que já cobram taxa de importação de produtos estadunidenses. Diante desse cenário político-econômico, como fica a relação entre Brasil e EUA?
De acordo com Marcelo Godke, especialista em Direito Internacional Empresarial, o Brasil sempre impôs tarifas de importação superiores às aplicadas pelos Estados Unidos aos produtos brasileiros, sem que houvesse uma verdadeira reciprocidade nesse sentido. “No cenário internacional, os Estados Unidos, devido ao seu grande poder econômico, sempre preferiram negociar pactos bilaterais em vez de acordos multilaterais. Isso ocorre porque, em negociações multilaterais, seu poder de barganha tende a se diluir”, explica.
Embora exista a Organização Mundial do Comércio (OMC) – uma instituição na qual os Estados Unidos sempre exerceram grande influência, especialmente em questões tarifárias, restrições não tarifárias (como normas fitossanitárias) e direitos de propriedade intelectual – o país nunca deixou de realizar negociações bilaterais paralelas com diversas nações. “Esse comportamento reflete a estratégia norte-americana no comércio internacional, especialmente em relação a tarifas de importação e exportação”, complementa Godke.
O especialista também lembra que os Estados Unidos sempre foram grandes promotores da globalização. “No entanto, já se previa um arrefecimento desse movimento, pois o país, em grande parte, arcava sozinho com os custos desse processo. Diferentemente de outras nações, que impõem tarifas sobre produtos norte-americanos, os Estados Unidos historicamente adotaram uma postura mais aberta em relação à importação. Esse modelo, no entanto, mostrava sinais de esgotamento, e o momento de sua revisão parece ter chegado”.
Caso o Brasil aumente ainda mais suas tarifas, tal medida não poderá ser considerada recíproca, uma vez que a reciprocidade pressupõe condições equivalentes em ambas as direções. “Além disso, se o Brasil elevar o imposto – projeto de lei que já tramitou, inclusive com posições favoráveis na Câmara – os Estados Unidos provavelmente responderão com aumentos correspondentes, prejudicando a competitividade dos produtos brasileiros, excetuando-se o agronegócio, que possui um desempenho relativamente melhor”, alerta Godke.
Observa-se, ainda, que países como a China já enfrentam tarifas superiores a 30%, e a União Europeia adota taxas significativamente mais elevadas do que as praticadas pelo Brasil. “Essa postura poderá, portanto, enfraquecer o poder de negociação do país no comércio internacional, culminando na imposição de tarifas ainda mais altas do que as vigentes atualmente”, completa.
Histórico de medidas da gestão Trump e os impactos para o Brasil:
Na avaliação de Fernando Canutto, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Internacional e Compliance, as políticas comerciais de retaliação aos protecionismos de terceiros adotadas pelo governo Trump desde janeiro de 2025 têm gerado desafios significativos para o Brasil.
“As tarifas impostas sobre produtos brasileiros, como aço e alumínio, além das ameaças de novas barreiras comerciais, afetam diretamente as exportações brasileiras e podem prejudicar setores estratégicos da economia nacional. Além disso, a postura mais nacionalista dos EUA exige maior colaboração de países como o Brasil, que precisam buscar diversificar suas parcerias comerciais e fortalecer o mercado interno para diminuir os impactos dessas medidas”.
A seguir, o especialista traz alguns pontos do histórico de decisões feitas pelo mandatário norte-americano:
1) Imposição de tarifas sobre importações de aço e alumínio: Em fevereiro de 2025, o presidente Trump assinou ordens executivas impondo tarifas de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio, afetando países como Brasil, México, Canadá e membros da União Europeia. Essa medida visava equilibrar a balança comercial dos EUA, mas gerou preocupações sobre uma possível guerra comercial global.
2) Tarifas sobre importações de automóveis: Em março de 2025, Trump anunciou a aplicação de uma tarifa de 25% sobre todos os carros importados, caminhões e principais peças automotivas, como motores e transmissões. Essa decisão aumentou as tensões comerciais globais e afetou exportadores de veículos para os EUA, incluindo o Brasil.
3) Retirada dos EUA do Acordo de Paris: O governo Trump oficializou, pela segunda vez, a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. Essa decisão levantou preocupações sobre o compromisso global no combate às mudanças climáticas e pode minimizar as iniciativas ambientais internacionais nas quais o Brasil está tentando encabeçar.
4) Ameaça de tarifas a países que compram petróleo da Venezuela: Trump anunciou uma tarifa de 25% sobre produtos de países que adquirirem petróleo ou gás da Venezuela, classificando-a como “hostil” aos EUA. Embora o Brasil importe principalmente energia da Venezuela, o impacto direto dessa medida sobre o país é considerado limitado.
5) Anúncio de tarifas “recíprocas”: O presidente Trump revelou planos para implementar tarifas “recíprocas” sobre parceiros comerciais dos EUA, visando países com déficits comerciais significativos, incluindo o Brasil. Essa medida busca equilibrar as relações comerciais, mas aumenta o risco de disputas tarifárias.
6) Impactos nas negociações comerciais do BRICS: Durante a presidência brasileira do BRICS em 2025, Trump ameaçou aplicar tarifas de no mínimo 100% aos países do bloco que buscassem uma moeda alternativa ao dólar em transações internacionais. Essa postura aumentou as tensões nas negociações comerciais envolvendo o Brasil.
NOTA CONJUNTA – O governo brasileiro lamentou a decisão tomada pelo governo norte-americano. Por meio de nota, afirma que nova medida, como as demais tarifas já impostas aos setores de aço, alumínio e automóveis, viola os compromissos dos EUA perante a Organização Mundial do Comércio e impactará todas as exportações brasileiras de bens para os EUA.
Veja a nota na íntegra:
Segundo dados do governo norte-americano, o superávit comercial dos EUA com o Brasil em 2024 foi da ordem de US$ 7 bilhões, somente em bens. Somados bens e serviços, o superávit chegou a US$ 28,6 bilhões no ano passado. Trata-se do terceiro maior superávit comercial daquele país em todo o mundo.
Uma vez que os EUA registram recorrentes e expressivos superávits comerciais em bens e serviços com o Brasil ao longo dos últimos 15 anos, totalizando US$ 410 bilhões, a imposição unilateral de tarifa linear adicional de 10% ao Brasil com a alegação da necessidade de se restabelecer o equilíbrio e a “reciprocidade comercial” não reflete a realidade.
Em defesa dos trabalhadores e das empresas brasileiros, à luz do impacto efetivo das medidas sobre as exportações brasileiras e em linha com seu tradicional apoio ao sistema multilateral de comércio, o governo do Brasil buscará, em consulta com o setor privado, defender os interesses dos produtores nacionais junto ao governo dos Estados Unidos.
Ao mesmo tempo em que se mantém aberto ao aprofundamento do diálogo estabelecido ao longo das últimas semanas com o governo norte-americano para reverter as medidas anunciadas e contrarrestar seus efeitos nocivos o quanto antes, o governo brasileiro avalia todas as possibilidades de ação para assegurar a reciprocidade no comércio bilateral, inclusive recurso à Organização Mundial do Comércio, em defesa dos legítimos interesses nacionais.
Nesse sentido, o governo brasileiro destaca a aprovação pelo Senado Federal do Projeto de Lei da Reciprocidade Econômica, já em apreciação pela Câmara dos Deputados.
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