O Brasil é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo, com uma produção anual de cerca de 1,5 gigatoneladas de CO₂ equivalente, o que representa aproximadamente 2% das emissões globais. Dentro deste cenário, o setor agropecuário é responsável por cerca de 33% das emissões nacionais, principalmente devido a práticas como o desmatamento e a fermentação entérica. Diante da crescente pressão para mitigar as mudanças climáticas, a adaptação às novas exigências do mercado de carbono tornou-se um tema crucial e foi abordado no workshop promovido pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) nesta terça-feira (20/08).
Realizado no auditório da Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso (Fiemt), o workshop “O Mercado de Carbono e as Oportunidades para o Agronegócio” abordou as complexidades do mercado de carbono, regulações e como esse tema pode oferecer oportunidades significativas para profissionais e empresas ligadas à Economia Verde. O palestrante, Dr. Carlos Roberto Sanquetta, professor titular da Universidade Federal do Paraná e especialista em mudanças climáticas, explicou em entrevista ao MT Econômico, sobre as implicações da regulamentação do mercado de carbono para o setor agropecuário. Entre suas atividades na área, Sanchetta também é diretor do Instituto de Pesquisas em Biomassa e Sequestro de Carbono (Biofix).
“O Brasil está no processo de regulamentar o mercado de carbono através do Projeto de Lei nº 182/2024. Esse mercado exigirá que os setores produtivos, incluindo o agronegócio, realizem inventários de suas emissões e adquiram créditos para compensar as emissões excedentes,” detalhou Dr. Sanquetta. Ele destacou que o sistema de Cap-and-Trade, previsto para ser regulamentado, funcionará como um imposto sobre as emissões. Empresas que não cumprirem suas metas terão que comprar créditos no mercado para compensar suas emissões excedentes. “Isso incentivará a adoção de tecnologias verdes e práticas sustentáveis, promovendo uma redução significativa nas emissões,” acrescentou o especialista.
O desafio é grande para o agronegócio, que enfrenta práticas como a fermentação entérica e o desmatamento, ambas contribuintes significativas para as emissões de gases de efeito estufa. No entanto, o mercado de carbono também representa uma oportunidade para transformar esses desafios em vantagens competitivas. Dr. Sanquetta enfatizou que a regulamentação do mercado de carbono criará um ambiente propício para a inovação no setor. “O sistema de Cap-and-Trade será uma ferramenta poderosa para a redução de emissões, exigindo que o agronegócio se adapte e adote práticas mais sustentáveis,” explicou.
Além da regulamentação, o mercado voluntário de carbono desempenha um papel crucial. Este mercado permite que empresas adotem práticas ambientais voluntárias e contribuam para projetos de compensação, como o reflorestamento e a preservação de áreas de vegetação nativa. Dr. Sanquetta comentou sobre a importância deste mercado. “O mercado voluntário sempre teve um papel essencial, especialmente para projetos como o de desmatamento evitado, que frequentemente não são contemplados pelas regulamentações oficiais. Embora o mercado voluntário enfrente oscilações, ele continuará sendo relevante e contribuirá para a proteção ambiental,” afirmou.
A integridade dos títulos de carbono e a fiscalização rigorosa são fundamentais para o sucesso do mercado. Dr. Sanquetta abordou os desafios relacionados à credibilidade dos créditos de carbono, destacando a necessidade de fortalecer os órgãos de controle. “Recentes investigações policiais sobre práticas fraudulentas no mercado de carbono mostram a necessidade de maior rigor na fiscalização. Garantir a integridade do mercado é crucial para manter sua credibilidade e eficácia,” ressaltou.
O palestrante forneceu uma visão abrangente sobre as principais atividades que contribuem para as emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE). Entre elas, ele citou:
Combustíveis Fósseis: queima de combustíveis fósseis, como carvão e petróleo, é uma das principais fontes de CO₂.
Energias Elétricas: geração de eletricidade a partir de fontes não-renováveis também contribui significativamente.
Resíduos Sólidos: manejo inadequado de resíduos sólidos gera emissões de metano (CH₄).
Efluentes e Gases de Refrigeração: tratamento de efluentes e o uso de gases refrigerantes como os PFCs e HFCs são outros pontos críticos.
Processos Industriais: algumas indústrias, como a cimentícia e metalúrgica, emitem grandes quantidades de gases.
Agricultura: atividades como fermentação entérica, uso de fertilizantes (ureia), cultura do arroz e desmatamento/queima são especialmente relevantes.
Dr. Sanquetta também apresentou diversas tecnologias e práticas que podem ser adotadas para mitigar o impacto ambiental, conforme citado a seguir.
Estratégias de redução das emissões
Biodigestores: tecnologias que transformam resíduos orgânicos em biogás e biofertilizantes.
Bioinsumos: produtos que substituem os químicos sintéticos, reduzindo a emissão de gases.
Energia Solar: instalação de sistemas fotovoltaicos reduz a dependência de fontes de energia fósseis.
Reflorestamento e Reserva Legal: práticas que recuperam áreas desmatadas e preservam florestas nativas.
Compostagem e Cobertura Verde: compostagem de resíduos e o uso de cobertura verde melhoram a qualidade do solo e reduzem a emissão de gases.
Área de Cultivo e Área em Pousio: alternar áreas de cultivo com períodos de pousio ajuda a manter a saúde do solo e reduz emissões.
Preparação dos produtores para o mercado de carbono
O vice-presidente da Aprosoja-MT e Coordenador da Comissão de Sustentabilidade, Luiz Pedro Poletti Bier, em entrevista, também reforçou a importância do evento para preparar os produtores para o futuro do mercado de carbono. “Estamos dedicados a ajudar nossos associados a compreender as novas regras e a adotar práticas que não só atendam às exigências regulatórias, mas também promovam a sustentabilidade e a inovação no setor agropecuário,” destacou.
O workshop representou um passo significativo na conscientização dos produtores de Mato Grosso sobre as oportunidades oferecidas pelo mercado de carbono. A regulamentação iminente e a crescente demanda por práticas sustentáveis oferecem ao setor agropecuário a chance de liderar na luta contra as mudanças climáticas e garantir um futuro mais sustentável para as próximas gerações.
A discussão em torno do mercado de carbono também reflete a necessidade de uma mudança paradigmática na forma como o agronegócio lida com suas emissões. Com a introdução de mecanismos de precificação e a crescente pressão para adotar práticas mais verdes, o setor tem a oportunidade de se posicionar como um líder em sustentabilidade. Ao adotar tecnologias e práticas que reduzem as emissões de gases de efeito estufa, o agronegócio não só atenderá às exigências regulatórias, mas também contribuirá significativamente para a proteção do meio ambiente.
A integração de soluções inovadoras e a adaptação às novas regulamentações podem transformar o agronegócio em um exemplo de como o setor produtivo pode alinhar seus interesses com a preservação ambiental. Com o mercado de carbono se consolidando como uma ferramenta essencial para a mitigação das mudanças climáticas, o futuro do agronegócio em Mato Grosso dependerá de sua capacidade de se adaptar e inovar, transformando desafios em oportunidades sustentáveis.