O crediário, uma modalidade de crédito amplamente utilizada no Brasil, passou por profundas transformações ao longo das décadas, refletindo não apenas o comportamento do consumidor, mas também as inovações tecnológicas e os avanços na análise de crédito. Neste artigo, exploraremos a trajetória do crediário no Brasil, desde suas origens humildes até os moderníssimos sistemas de avaliação de risco que permeiam o setor financeiro atualmente, destacando a importância dos birôs de crédito nessa jornada.
O conceito de crediário remonta a um passado onde as transações eram informalmente registradas em cadernetas e arquivos físicos. No Brasil, essa prática, conhecida como “fiado”, permitia que os consumidores comprassem bens sem pagamento imediato, com valores lançados em anotações manuscritas. As vendas a prazo eram frequentemente estabelecidas entre pequenos comerciantes e consumidores, que confiavam uns nos outros baseados em relacionamentos pessoais.
Esse sistema, embora prático, apresentava riscos consideráveis de inadimplência, uma vez que não existiam mecanismos regulatórios ou de análise creditícia que garantissem a solvência do devedor. Nesse contexto, o surgimento dos primeiros birôs de crédito na década de 1950 como o Serviço de Proteção ao Crédito – SPC, começou a mudar o cenário. Esses birôs, mesmo operando de forma manual, permitiram uma coleta sistematizada de informações sobre o histórico de crédito dos consumidores, ajudando os vendedores a minimizar riscos nas vendas fiadas e a potencializar sua recuperação de crédito.
Os birôs de crédito desempenham um papel crucial no ecossistema financeiro ao fornecer informações objetivas sobre a capacidade de pagamento dos consumidores. Essas instituições coletam dados de diversas fontes — como instituições financeiras, varejo, indústria, empresas de serviços e outras — e os organizam em relatórios que refletem o comportamento financeiro dos indivíduos.
Com a formalização do crédito e a gradual transferência do comércio informal para o ambiente formal, os birôs de crédito se tornaram aliados indispensáveis para os credores, independente do seu setor e atividade econômica. Por meio da consulta a essas bases de dados, os credores puderam avaliar com maior precisão os riscos associados à concessão de crédito, ajudando a combater a inadimplência e a fazer uma combinação mais eficiente entre oferta e demanda de crédito. Essa prática, que evoluiu ao longo dos anos, permitiu a construção de um panorama mais claro da saúde financeira dos consumidores, contribuindo para uma cultura de crédito mais responsável e consciente.
Importante destacar que no varejo ocorreu um marco na evolução do crediário no Brasil principalmente a partir da ascensão de empresas como as Casas Bahia, fundadas por Samuel Klein, conhecido como o “pai do crediário”. Através de uma estratégia agressiva de vendas a prazo, a rede conquistou uma clientela, em sua maioria, das “classes C e D”, que apresentava dificuldades em acessar crédito nas instituições financeiras tradicionais. A gestão eficiente do crediário tornou-se um pilar do negócio, demonstrando que, se bem administrado, poderia gerar elevados faturamentos, consolidando-se como uma solução financeira essencial para milhões de brasileiros.
Com o passar do tempo, o crediário evoluiu para além das simples vendas a prazo. A introdução de cartões Private Label, que permitiam ao consumidor adquirir produtos nas lojas de determinadas marcas, trouxe uma nova dimensão ao crédito no varejo brasileiro. Esses cartões, geralmente vinculados a empresas específicas, proporcionaram praticidade e acessibilidade ao crédito, permitindo que um número ainda maior de consumidores pudesse realizar compras sem a necessidade de um pagamento imediato.
O avanço da tecnologia também teve um papel crucial na evolução do crediário. Com a implementação de novas políticas de crédito, com a chegada do Cadastro Positivo e a criação de scores personalizados, foi possível não apenas verificar se o consumidor possuía restrições financeiras, mas também analisar seu comportamento de pagamento ao longo do tempo. Essa abordagem inovadora permitiu que empresas do varejo e instituições financeiras desenvolvessem uma jornada de crédito mais refinada, capaz de reconhecer e valorizar os bons pagadores.
Nos últimos 10 anos, o cenário do crédito no Brasil acelerou a sua evolução com o surgimento das Fintechs. Essas startups, focadas em soluções financeiras e praticidade, implementaram tecnologias de ponta que tornaram a análise de crédito ainda mais eficaz. O uso de Machine Learning (ML) se destaca nesse contexto, pois utiliza algoritmos inteligentes para aprender com grandes volumes de dados e prever comportamentos de pagamento e recuperação com alta precisão.
O Machine Learning revolucionou a concessão de crédito, permitindo que o mercado antecipe, com um elevado índice de acerto, os resultados de operações de crédito. Com a capacidade de personalizar ofertas de crédito, a simplificação do processo de aprovação foi revolucionado e pode ajudar a promover uma cultura de responsabilidade financeira, recompensando os bons pagadores.
Apesar do progresso, o Brasil ainda enfrenta um desafio de aculturamento em relação ao uso do crédito. Conforme o Indicador de Inadimplência realizado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) aponta que quatro em cada dez brasileiros adultos (41,51%) estavam negativados em novembro de 2024, o que representa 68,62 milhões de consumidores. Já em Mato Grosso, o número oscila entre 1,05 à 1,15 milhão de inadimplentes já há 10 anos.
Contudo, com a evolução contínua das tecnologias e maior conexão com a educação financeira da população, há um grande potencial para que o crediário alcance níveis de penetração mais elevados, podendo em 2025, crescer acima de dois dígitos, próximo a 10%. O espaço existente para o crescimento do crédito ao consumidor é imenso, e o amadurecimento do varejo e do sistema financeiro brasileiro pode sinalizar um futuro promissor nesse setor.
A trajetória do crediário no Brasil é um reflexo das mudanças econômicas, sociais e tecnológicas vivenciadas pelo país. Desde suas raízes modestas nas cadernetas de fiado até a complexidade das análises de crédito apoiadas por Machine Learning, cada etapa evidenciou a necessidade de adaptação e inovação. A importância dos birôs de crédito nesse processo não pode ser subestimada, pois eles estabeleceram as bases para um ambiente de negócios mais seguro e confiável.
A evolução do crediário não apenas facilita o acesso ao crédito, mas também pode fomentar uma sociedade mais consciente e responsável em relação à gestão financeira pessoal, promovendo o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
Fábio Granja Júnior é Administrador e Especialista em Gestão de Negócios
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