A qualidade dos serviços de distribuição de energia elétrica no Brasil é medida por dois indicadores denominados DEC (Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora – Tempo que, em média, no período de observação, cada unidade consumidora ficou sem energia elétrica) e FEC (Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora – Número de interrupções ocorridas, em média, no período de observação, cada unidade consumidora ficou sem energia elétrica), apurados pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. A Agência define os conjuntos elétricos para cada distribuidora e estabelece limites para estes indicadores. Os mesmos são definidos em função de alguns parâmetros que dependem de cada Concessão – número de consumidores, extensão territorial, quantidade de redes, consumo faturado e potência instalada. No caso de Mato Grosso são atualmente noventa e quatro conjuntos que apurados os indicadores de cada conjunto, dão origem ao DEC e FEC global da distribuidora após ponderação em função de quantidade de consumidores de cada conjunto.
Recentemente foram divulgados os indicadores DEC e FEC das empresas distribuidoras de energia elétrica do país pela ANEEL, “comemorados” pela Agência e pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica – ABRADEE. Os cerca de 84.995.044 consumidores no país ficaram 11,50 horas em média sem energia (DEC) em 2020, ligeiramente abaixo do limite de 12,28 horas estabelecido pela Aneel. Quanto ao FEC, a frequência das interrupções ficou em 6,03 vezes, abaixo do limite de 8,97 vezes. A trajetória lenta de queda nos últimos anos demonstra que se precisa evoluir muito no país. Será que os consumidores estão satisfeitos com esse desempenho?
A duração média de interrupção de energia por consumidor no país – DEC, que é o mais importante e impactante dos dois indicadores, de 2001 a 2020 reduziu de 15,99 para 11,50 horas/ano. Ou seja, reduziu apenas cerca de quatro horas e meia em vinte anos! É preciso ressaltar que muitas situações de falta de energia não são computadas dentro do regramento atual da Agência, conforme módulo 8 do Prodist –Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica da ANEEL, na seção 8.2 que trata da qualidade dos serviços/indicadores de continuidade. Esses indicadores não capturam algumas interrupções atípicas permitindo às distribuidoras as expurgarem do cálculo de seus indicadores e que aumentariam os mesmos em cerca de 20 a 30% em média, dependendo de cada distribuidora. Em Mato Grosso os cerca de 1.449.754 consumidores ficaram 17,48 horas em média sem energia (DEC) em 2020, abaixo do limite de 21,47 horas estabelecido pela Aneel, porém 51,9% acima da média Brasil. Quanto ao FEC, a frequência das interrupções ficou em 7,77 vezes, abaixo do limite estabelecido pela Aneel de 17,05 vezes, porém 28,8% acima da média do país. Mas como vimos anteriormente, cada área de Concessão tem suas próprias características e especificidades. Se não houvesse os expurgos legalmente previstos no regramento atual da Agência o DEC total da Concessionária daqui de Mato Grosso teria um aumento de 33,5% em relação ao DEC regulado apurado e o FEC total de cerca de 20,9% em relação ao FEC regulado apurado.
Estes indicadores DEC e FEC, na realidade refletem a continuidade no fornecimento de energia, longe de se traduzir no sinônimo fiel da qualidade da energia elétrica no país. A Agência precisa avançar nisto, reformular alguns conceitos e criar novos indicadores que traduzam realmente a qualidade para os consumidores de baixa tensão. Os consumidores ficam submetidos constantemente a muitas interrupções no fornecimento de energia que duram menos de três minutos. Estas interrupções são tão danosas quanto as interrupções maiores, pois interrompem o processo produtivo nas indústrias, causam transtornos ao comércio, paradas de elevadores em prédios, apagam sinais de trânsito, provocam queima de equipamentos, etc. Ou seja, custos sociais, econômicos e prejuízos financeiros são causados em várias situações. Muitos consumidores inclusive se utilizam de equipamentos de elevados custos como no-break e geradores de energia para minimizarem estes problemas.
E tem mais, as interrupções que duram até 3 minutos, os famosos picks, também não são computados nos cálculos dos indicadores de continuidade pelo regramento atual da Agência. E estes picks são uma “eternidade” dependendo da situação e podem ser tão danosos quanto interrupções de maior duração como mencionado acima. Adicionalmente, quando a energia retorna após estes picks, é possível a ocorrência de queima de equipamentos por sobretensões. A percepção da qualidade da energia elétrica pelo consumidor então logicamente é outra!
Segundo a Agência, foram pagos em 2020 aos consumidores do país R$ 630,93 milhões a título de compensação devido as ocorrências de falta de energia em função das violações de indicadores individuais de continuidade. Individualmente isto é muito pouco representativo aos cerca de 85 milhões de consumidores. O que os consumidores desejam é serem bem atendidos, pagar um preço justo pela qualidade ofertada, que a energia não falte, e se faltar, que ela seja restabelecida com a agilidade que este serviço requer. Na área rural a situação é bastante preocupante e tem que ser mais "cuidada" e priorizada pela Agência. Atualmente os consumidores rurais, aviários, as agroindústrias, etc, requerem um atendimento melhor, próximo dos níveis da área urbana, mas não é bem assim que funciona!
Para se conseguir “um bom dado” nos indicadores, as distribuidoras acabam concentrando seu melhor atendimento na área urbana onde está o maior peso dos conjuntos elétricos. Os conjuntos elétricos conforme regramento atual é composto de consumidores urbanos e rurais. Como o número de consumidores rurais é muito menor que os urbanos nos conjuntos elétricos definidos pela Agência, a realidade no rural acaba sendo de certa forma “desapercebida”, pois as interrupções nos mesmos entram no cálculo dos indicadores de forma ponderada. É preciso urgentemente rever a metodologia pela Agência. A insatisfação dos consumidores rurais no país é muito grande devido aos elevados tempos de restabelecimento.
E as pesquisas anuais de satisfação realizadas pela Agência que poderiam sinalizar algo importante só são realizadas ouvindo por uma amostragem apenas consumidores residenciais urbanos. Nem os outros consumidores de outras classes como comercial, industrial, poder público são pesquisados. Em tese, os consumidores residenciais não são tão exigentes, então porque só ouvir os mesmos? O IASC – Índice ANEEL de Satisfação do Consumidor, aferido após a pesquisa, é o que reconhece as distribuidoras mais bem avaliadas com base apenas na percepção dos consumidores residenciais urbanos. O índice é aferido por meio de pesquisa realizada em todo o Brasil, em que o consumidor avalia o atendimento, a qualidade e outros itens. E após a divulgação dos resultados do IASC ocorre uma premiação anual da Agência para as distribuidoras mais bem avaliadas, baseada numa amostra apenas de consumidores residenciais.
Nos EUA o DEC médio das empresas é de cerca de 120 minutos, mas as melhores empresas possuem DEC abaixo de 60 minutos. Em alguns países da Ásia o DEC é da ordem de menos de trinta minutos anuais. E em alguns países da Europa os tempos são ainda mais baixos, porém com predominância de redes de distribuição subterrâneas que sofrem menos interrupções no fornecimento de energia elétrica. O país precisa melhorar muito pelo preço que se paga e atender com mais qualidade e isonomia os consumidores urbanos e rurais.
É preciso urgentemente que a Agência modifique esta situação visando aperfeiçoar estes indicadores atuais. De alguma forma estes pick’s de até três minutos tem que entrar nos cálculos. Qual a diferença entre uma interrupção de três minutos e outra de três minutos e um segundo? A questão da área rural tem que ser mais “mostrada” com indicadores específicos. Um DEC e FEC urbano por exemplo e um DEC e FEC rural, divulgados da mesma forma que se divulga atualmente o DEC e FEC totais (urbano+rural). Será que se teria muito a comemorar da divulgação dos indicadores rurais? Até a pesquisa IASC tem que ser aperfeiçoada para captar melhor a percepção de todas as classes de consumidores. Os números são importantes, mas a percepção através da expressão dos consumidores é um componente complementar extremamente importante para uma avaliação dos serviços da concessionária de distribuição de energia elétrica e assim contribuir para a melhoria destes serviços, tão importantes e essenciais para a sociedade.
Algumas alterações foram aprovadas pela Agência recentemente e serão ainda regulamentadas, porém podem não atender plenamente as expectativas dos consumidores. Uma modificação aprovada aumenta o valor médio das compensações para consumidores que hoje experimentam os piores níveis de serviço e reduz a quantidade de consumidores compensados. A quantidade média de consumidores que receberiam compensações seria reduzida de 11% para 2,6%. Entretanto, o valor médio pago aumentaria mais de 4 vezes (de R$ 5,02 para R$ 21,09). Para incentivar as distribuidoras a investirem na melhoria da qualidade média, a norma da Aneel alterou o Componente Q (de qualidade) do Fator X (mecanismo de compartilhamento de eficiência com o consumidor). Entre as mudanças estão a inclusão de um multiplicador de reincidência e de um multiplicador de violação de conjuntos de consumidores. No primeiro caso, pode haver aumento da penalidade para a distribuidora. No segundo, a ampliação de desconto na tarifa para as empresas que descumprirem os indicadores em um percentual elevado de seus conjuntos. Também haverá uma simplificação no processo de apuração das compensações, com a exclusão dos limites trimestrais e anuais dos indicadores. Ficam mantidos apenas os limites mensais.
Uma outra alteração aprovada é quanto a indicadores de origem externa ao sistema de distribuição que serão excluídos da avaliação do desempenho das distribuidoras. Essa alteração é preocupante, pois pode haver prejuízo na gestão das interrupções junto aos outros agentes de geração e transmissão, podendo piorar a percepção dos consumidores. Apesar de atualmente já haver uma separação das causas das ocorrências para efeito de análise, teria isto mais formalizado, Então o DEC por exemplo teria um DEC interno da distribuidora, um DEC externo e um DEC de expurgos. O que o consumidor deseja é transparência, que sejam devidamente divulgados o DEC e FEC das distribuidoras, mas também o DEC e FEC totais incluindo os expurgos e as causas de origem externa às distribuidoras pois a percepção do consumidor quanto a qualidade no fornecimento de energia elétrica não separa as coisas. Não adianta no próximo ano se “comemorar” algum tipo de redução nos indicadores, mas que podem não traduzir a expectativa e a percepção dos consumidores.
Mesmo com a pandemia, as empresas distribuidoras vêm divulgando seus resultados com significativos lucros referentes ao ano de 2020. O lucro regulatório para as distribuidoras do país está previsto no regramento atual do negócio. A tarifa prevê uma remuneração de capital até para manter a atratividade do negócio das empresas de distribuição de energia. Mas o que o consumidor espera é que a Agência aprimore cada vez mais a metodologia utilizada nessa remuneração e que esta esteja cada vez mais adequada à realidade econômico-financeira da concessionária e do consumidor (precisa haver equilíbrio) e também de acordo com a qualidade da energia ofertada. E as constantes notícias que circulam na mídia acerca dos reajustes/revisões tarifárias previstas para 2021 no país mostram um cenário que preocupam os consumidores. As projeções divulgadas apontam para um aumento completamente descolado de nossa realidade econômica num momento de crise econômica, social e sanitária sem precedentes.
Por fim, como vimos, a qualidade da energia elétrica precisa avançar muito ainda no país. Neste sentido, a questão dos pick’s de até três minutos, os expurgos atualmente permitidos, a questão da área rural, precisam ser revistos pela Agência. Outro aspecto a considerar são as oscilações e afundamentos de tensão nos consumidores de baixa tensão que sofrem com os efeitos destes fenômenos. De alguma forma é preciso medir isto e criar também outros indicadores. A tecnologia está aí cada vez mais presente. A modernização do setor elétrico com abertura do mercado para todos os consumidores se fará necessário em relação às distribuidoras, para reformular o modelo regulatório atual incentivando-as para que fiquem focadas na operação e no “uso das redes”, o que certamente também trará uma melhoria nos indicadores de qualidade e uma alocação mais adequada dos custos, permitindo ainda uma redução de custos para os consumidores. Um eficiente sistema de telecomunicações incluindo links satelitais cobrindo toda a área de concessão aliado às redes inteligentes-smart grids, que ganharão força se integrando com medidores inteligentes e sistemas de recomposição automática-self healig, possibilitarão uma redução nos tempos de interrupção da energia, como também uma melhor e consistente apuração dos indicadores de forma a se aproximar da real percepção dos consumidores.
A energia 4D-Digitalizada, Descarbonizada, Diversificada e Descentralizada é uma realidade com infinitas possibilidades, inclusive para a que as distribuidoras se reinventem oferendo outros serviços, além do uso das redes. A pandemia da Covid 19 nos ensinou muita coisa, aconteceram fatos que levariam anos para se tornar uma realidade como, por exemplo, o desenvolvimento de uma vacina em tempo recorde, e quando falamos em energia atualmente nada é definitivo, é preciso explorar novas possibilidades, inovações e avançar mais. É o que esperam os consumidores de energia elétrica!
Teomar Estevão Magri, Engenheiro Eletricista com MBA em Gestão de Negócios, Especialista e Consultor em Energia, membro do Conselho de Consumidores de Energia Elétrica de Mato Grosso-Concel MT.
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