O planejamento da expansão do sistema elétrico brasileiro tem sido tratado com atenção e técnica clássicas. Pelas suas próprias características, ao longo dos anos, esta atividade constitui-se num aprendizado diário, de correções e adequações. Neste contexto, o Sistema Interligado Nacional – SIN atua, como premissa basal no âmbito do modelo vigente, para garantir a segurança do fornecimento de eletricidade. A penetração de novas fontes, principalmente com o apelo às renováveis e descarbonização da matriz, de forma distribuída nas redes, antes passivas, passa a compor a vanguarda dos procedimentos operacionais com os quais as concessionárias devem enfrentar. Assim, multiplicam-se os recursos distribuídos, aumentam o protagonismo das novas fontes – a oferta intermitente – e a imprevisibilidade do sistema elétrico, e cresce a digitalização das redes de distribuição.
No Brasil convivemos com um sistema hidro-termelétrico, caminhando para um diverso, com maior participação de novas fontes renováveis, com implicações severas dos pontos de vista operacional e regulatório, que está demandando aperfeiçoamento na estrutura de mercado. Esta reavaliação exige reestruturação tarifária, de tributação, de encargos, incremento de projetos e programas de eficiência energética, aquisição de energia, fomento à geração distribuída como forma de aumento de receita e ampliação de serviços das concessionárias, e estratégia direcionada a projetos de pesquisa e desenvolvimento de interesse público. O governo pode, também, nesta reestruturação, lançar mão de mecanismos de incentivos para todas as classes de consumidores para serviços de energia, fontes renováveis, conservação de energia etc.
A distribuição de eletricidade reúne máquinas, materiais e equipamentos – os ativos elétricos sob concessão – destinados à prestação deste serviço, geridos por premissas de controle patrimonial, cujos custos anuais afetam os investimentos das concessionárias distribuidoras e, consequentemente, os custos da tarifa de energia elétrica para o consumidor. Para o cenário que se avizinha, com potencial aumento de prossumidores, há um movimento natural para se adequar o cálculo da parcela da tarifa relativa aos gastos operacionais e investimentos na infraestrutura de distribuição. Este procedimento procura dar à energia uma precificação coerente e mais aderente com as necessidades de expansão, e também ao aumento de capacidade.
Especificamente, na distribuição, existem muitos gargalos que se destacam e precisam ser superados. Mesmo com alguma flexibilidade, boa parte dos sistemas de distribuição das cidades brasileiras não possui estrutura e resiliência apropriada que sustente a alta penetração de novas fontes intermitentes em múltiplos pontos da rede, sem antes avaliarem-se os tipos de investimentos e riscos possíveis, ainda que os custos operacionais possam ser mais significativos do que os investimentos adicionais para esta inserção em determinadas condições. É verdade também que estas fontes agregam ganhos de escala e de escopo ao sistema elétrico, além da diversificação para atender variações dos padrões de consumo (Diogo Lisbona Romeiro e Clarice Ferraz, IE/ UFRJ, 2016, Revista Brasileira de Energia, Vol. 22, nº 2), mas requerem garantia de capacidade, flexibilidade e integração de toda a estrutura assegurando estabilidade à rede.
Na perspectiva de acesso e uso das redes, é preciso ponderar que elas sofrem impactos de todo o conjunto de processos que as acompanham durante sua vida útil e, portanto, a mudança de comportamento do consumidor, a alteração de padrões tecnológicos e funcionais, a introdução de novos equipamentos e materiais e os atributos das fontes sempre influenciarão acentuadamente na avaliação da sua serventia, eficiência e aproveitamento.
Em países com elevados investimentos em recursos energéticos distribuídos temos vários exemplos de controle do desempenho e manutenção dos ativos por meio da convergência de informações, tecnologias operacionais e de engenharia, relacionados e avaliados de forma a manter as redes com potência necessária para suportar a demanda e oferecer condições para a remuneração adequada dos serviços, dos ativos e dos investimentos. A tendência e a realidade em várias partes do mundo são sistemas elétricos admitindo e compondo-se de ilhas de armazenamento e controle de carga, de resposta da demanda cada vez mais presente, de medidores inteligentes para todos os consumidores e integração massiva de recursos distribuídos. Desta forma, existe um claro incremento de inovação de tecnologias nas redes, num redesign que nos leva a considerar o impacto desta mudança utilizando a proposição de Ehrlich, P. R. e Ehrlich, A. H. (1991) que avalia os efeitos das atividades humanas no ambiente, como o produto da população atendida de consumidores x bem-estar x tecnologia, capaz de medir o bem-estar de todos os consumidores sob os pontos de vista técnico, da disponibilidade e compatibilidade dos ativos, dos serviços da rede e sua ecoeficiência e da eficácia da operação.
À medida que a complexidade e a transversalidade crescerem, principalmente em interconexões e interação com o meio ambiente, a infraestrutura das redes deverá avançar para uma maior competência na coordenação e planejamento entre seus elementos. Avançará também para a integração dos recursos renováveis variáveis conectados, para absorver novas oportunidades de integração como sistemas de armazenamento e equipamentos de carga para veículos elétricos, para manter e melhorar o balanço oferta-demanda, para reduzir drasticamente a ineficiência na manutenção, para melhorar a capacidade de adaptação às mudanças, a segurança e a confiabilidade do sistema, para atingir o mercado de eletricidade de forma completa, e, no objetivo mais amplo, para alcançar metas de benefícios e custos moderados a todos os consumidores.
Por extensão deste raciocínio, é preciso ativar no Brasil um círculo virtuoso que desenvolva um ambiente favorável para todos os atores, em direção a condições operativas de sustentabilidade real sob políticas públicas novas e mais avançadas. Esta é a função das instituições públicas do setor energético fortalecidas que devem promover normas e regras que salvaguardem todo o conjunto social e que exerçam a catálise, efetivamente, daqueles fatores compreendidos, entre eles, a extensão e o volume dos investimentos, a implementação de eficiência energética e os custos sociais crescentes.
Através destes fatores, e se dispomos de dados e análises científicas para subsidiar a tomada de decisão, temos que instruir princípios norteadores que informem e orientem a discussão sobre opções para criar as melhores condições de um mercado de energia elétrica que não apresente contraste, principalmente econômico-financeiro, entre os consumidores que compartilham a mesma região geográfica; além de usar a concorrência entre fontes para impulsionar operações eficientes, como já o fazem grandes mercados de eletricidade, a exemplo dos Estados do Oeste Americano.
A pesquisa, a técnica e a engenharia são fundamentais neste momento, até mesmo para exercer um papel, por incrível que pareça, apostolar. Com toda a circunstância vivida de tangível crescimento da fonte solar fotovoltaica, especialmente, surgem no país muitos tribunos discursando no afã de defender regras maximalistas, difíceis de se efetivarem no curto prazo e atingirem os objetivos de igualdade de direitos entre os consumidores, de modicidade tarifária e de isonomia na prática do fornecimento de eletricidade, num setor tão intricado. Estes discursos, sugerindo regras, sem alcance de todos os interessados, tornam-se etocráticos, utilitários, e muitos deles dissonantes com a regulamentação existente, ainda mais neste tempo de transição em que todos os partícipes, indistintamente, devem ser respeitados.
Ivo Leandro Dorileo é Presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético – SBPE