De toda energia que a Terra recebe do Sol, nós consumimos apenas uma pequena parte. A relação entre a energia recebida e a consumida é cerca de 75 mil vezes. O potencial do país é gigantesco, cerca de 28 mil GW (Giga Watts). Atualmente temos instalado no país apenas 6,7 GW sendo 3 GW de geração solar centralizada (grandes usinas) e 3,7 GW de geração solar distribuída (micro e mini usinas sendo a maior parte em telhados).
A ampliação do mercado livre para consumidores menores, e a liberalização total do mercado (portabilidade), para que o consumidor possa escolher sem restrições seu fornecedor de energia elétrica vai alterar completamente o modelo de comercialização nos próximos anos. No país, são cerca de 86 milhões de consumidores cativos e em Mato Grosso cerca de 1,46 milhões que são reféns de uma única distribuidora de energia, pois não podem escolher de quem desejam comprar sua energia elétrica e por isso pagam bem mais caro. Uma forma interessante de alcançar esse objetivo por enquanto seria apostar nas instalações de sistemas de mini e de microgeração distribuída de fontes renováveis, sejam eles hídricos, fotovoltaicos, eólicos, biodigestores e outros para a produção de energia pelos próprios consumidores, chamados de prosumidores. Isso significa mais liberdade para o pequeno consumidor que é atualmente obrigado a adquirir a energia no mercado cativo das distribuidoras a um custo bem mais elevado que no mercado livre, restrito a grandes consumidores.
Neste sentido, a regulamentação da modalidade de micro e a minigeração distribuída pela Resolução 482/2012 da Aneel e aperfeiçoada pela Resolução 687/15 foi fundamental, consistindo na produção de energia elétrica a partir de pequenas centrais geradoras que utilizam estas fontes conectadas à rede de distribuição por meio de instalações das unidades consumidoras. O excedente é injetado na rede e volta para o consumidor em horários que ele necessita desta energia num regime de compensação de créditos denominado de “net metering”. Uma nova figura foi criada, a do consumidor gerador ou prosumidor, trazendo empoderamento para o mesmo. Para efeitos de diferenciação, de acordo com a Aneel, a microgeração distribuída refere-se a uma central geradora de energia elétrica, com potência instalada menor ou igual a 75kW, enquanto que a minigeração distribuída diz respeito às centrais geradoras com potência instalada superior a 75kW e menor ou igual a 5.000 KW ou 5 MW.
Para fomentar o uso desse tipo de energia renovável, principalmente a solar fotovoltaica, o Governo de Mato Grosso em 2015 foi um dos primeiros no país a isentar o ICMS nesta modalidade de micro e de minigeração de energia com a adesão ao Convênio Confaz 16/2015 em 06 de novembro de 2015,em vigor a partir de 01 de janeiro de 2016, e somente apenas mais recentemente outros estados o fizeram. Este foi o primeiro incentivo para criação de uma política pública para o setor, principalmente para a energia solarfotovoltáica, que tem um forte potencial no Mato Grosso devido às altas tarifas, alta carga tributária de Icms, bons índices de irradiação solar e consumo médio elevado devido às altas temperaturas no estado. Um ambiente “perfeito” para o consumidor ser o protagonista, gerando sua própria energia de forma mais barata, sustentável e democrática.
Em 2015, praticamente três anos após a regulamentação da Aneel através da Resolução 482/2012, existiam apenas 12 usinas de micro e minigeração solar em Mato Grosso. Agora em setembro de 2020 de acordo com a Aneel, este número saltou para mais de 15,5 mil micro e mini usinas em operação no estado.
O estado já ocupa a quinta posição no ranking entre os estados em potência instalada de energia solar e dentre todos os municípios do país possui Cuiabá e Sorriso no top 10 do ranking brasileiro de energia solar fotovoltaica da Absolar. Neste ranking Cuiabá aparece em segundo lugar e segundo e Sorriso em décimo. Fantástico!
Em 31 de julho de 2019 através edição da Lei Complementar 631/19, mais precisamente em seu artigoArtigo 37, o Governo do Estado ratificou a isenção do ICMS neste segmento de micro e minigeração distribuída das fontes renováveis com destaque para a energia solar em amplo crescimento no estado, trazendo segurança jurídica para esta modalidade de geração pelos próximos 8 anos (01/01/2020 a 31/12/2027), continuando seu processo de desenvolvimento e consolidação com geração de empregos, representando uma grande contribuição para diversificação da matriz elétrica de geração de energia do país que aindaé muito dependente da situação dos reservatórios das grandes usinas hidrelétricas. As bandeiras tarifárias que o digam! Estima-se que para cada 1 MW de potência instalada no segmento solar fotovoltáico, cerca de 20 a 30 empregos diretos sejam criados e mais 3 empregos indiretos para cada emprego direto. Já são cerca de 15 mil empregos no estado nesta cadeia do “emprego verde”. Atualmente já se fala em um retorno do investimento de menos de 3 anos.
A Aneel, desprezando muitos benefícios da geração distribuída para o setor elétrico está propondo mudanças para que a energia injetada na rede elétrica, local ou remotamente, pelos prosumidoresseja taxada pelo uso da infraestrutura elétrica. Se hoje o que se injeta na rede volta para o consumidor na proporção de 1 para 1, com as mudanças propostas passaria a ser 1 para 0,4. Ou seja, o que o prosumidor injetar será devolvido para o mesmo com uma taxação de 60%.
A legislação em vigor tem apenas 8 anos e já se quer frear o crescimento da geração solar de forma ainda prematura. Na Califórnia, somente depois de 20 anos é que o prosumidor começou a pagar pelo uso da rede e com um valor plausível de 10,5%. Aqui deseja-se aplicar 60% sobre a energia injetada, que inviabilizará certamente muitos negócios e impedirão a liberdade dos consumidores. Existem hoje algumas outras propostas tramitando no Congresso Nacional para solucionar esse impasse. Que o bom senso prevaleça.
De acordo com pesquisa do Ibope, 93% dos brasileiros querem gerar sua energia renovável em casa, e isto tem que ser levado em conta. Em Mato Grosso, a tarifa de energia subiu quase 30% nos últimos três anos de 2018 a 2020, e a inflação acumulada neste período ficou praticamente em um terço disso. Neste cenário, gerar sua própria energia, me parece uma alternativa até para que os preços possam de fato cair na ponta para o consumidor, em função da “concorrência” com o Sol. Se fosse tão ruim para os consumidores que não instalam sistemas de geração própria, então porque as distribuidoras estão criando braços nas suas holdings para ofertar e instalar energia solar aos consumidores?
No país o índice de penetração da energia solar é ainda muito pequeno, da ordem de 0,4%. São cerca de 320 mil prosumidores gerando sua energia num potencial de 86 milhões de consumidores. Em Mato Grosso são cerca de 16 mil prosumidores com índice de penetração de 1% num potencial de mais de 1,46 milhões de unidades consumidoras. É preciso deixar a energia solar se desenvolver mais!
Pelo exposto, fica evidente que, apesar dos promissores resultados alcançados nos últimos anos no país e em Mato Grosso, os desafios são muitos e ainda há muito o que se avançar. Somente em 2018 o Brasil atingiu seu primeiro GigaWatt (GW) instalado no segmento solar de geração distribuída. Em 2019 chegou a 1,5 GW. Em setembro de 2020 já são cerca de 3,7 GW. A China com 205, EUA com 102, Japão com 74, Alemanha com 50, Índia com 33, Itália com 24, Reino Unido com 13 e Espanha com 13 GigaWatts lideram esta modalidade de geração de energia no mundo. O Brasil está ainda muito atrasado e é preciso continuar incentivando este segmento, até que se atinjam patamares internacionais de 5 a 10% da matriz elétrica de geração. Atualmente esta modalidade representa aindamenos de 2% da matriz.
Outra questão importante a ser abordada neste contextoé a da eficiência energética onde existe ainda um grande potencial a ser explorado. Não adianta o consumidor gerar sua própria energia, e desperdiçar. A matriz elétrica de geração de energia no país tem mais de 80% proveniente de fontes renováveis enquanto em outros países desenvolvidos ficam na faixa de 20%. Por outro lado porém, somos um dos países que mais desperdiçam energia. O Brasil desperdiça, por ano, o equivalente à metade do total de energia gerado pela Usina de Itaipu.
Neste sentido, para otimização dos resultados da instalação de geração própria, o tripé – equipamentos mais eficientes, hábitos conscientes e projetos inteligentes das edificações deve estar bem alinhado. Agindo desta forma estaremos reduzindo o consumo, o gasto no projeto da usina e ainda protegendo o meio ambiente e as futuras gerações, que agradecerão!
No novo formato pós-pandemia os investimentos deverão ter foco principalmente em ações ambientais e sociais. Investimentos em energia limpa, agronegócio sustentável, redes inteligentes/smart grids, Internet das Coisas Iot, mobilidade elétrica, edifícios sustentáveis, eficiência energética, etc fazem parte deste pacote para um mundo mais verde.
Por fim, pode-se dizer quetodos têm a ganhar com a energia solar. Ganha o consumidor que passa a gerar sua própria energia, ganha o meio ambiente através de ampliação e diversificação da matriz energética com energia limpa e renovável, e ganha o estado, que propicia aumento de emprego e renda num momento que o país mais precisa. E em Mato Grosso, o sol brilha colocando o Estado em destaque no cenário nacional!
Teomar Estevão Magri, Engenheiro Eletricista com MBA em Gestão de Negócios, Especialista em Energia e membro do Conselho de Consumidores de Energia Elétrica de Mato Grosso-Concel MT.