O setor elétrico de um país é um dos aspectos mais importantes para determinar o seu crescimento e a qualidade de vida de seus habitantes. Neste setor a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica regula e fiscaliza a prestação do fornecimento de energia elétrica à sociedade, nas atividades de geração, transmissão, comercialização e distribuição de energia. Define ainda as tarifas de energia para os consumidores cativos, de acordo com as políticas e diretrizes estabelecidas pelo governo federal para o setor elétrico e o que está estabelecido em lei e nos contratos de concessão assinados com as empresas.
O sistema de produção e transmissão de energia elétrica do Brasil é um sistema hidro-termo-eólico de grande porte com predominância de usinas hidrelétricas. Os sistemas de transmissão com cerca de 146 mil km de extensão nas voltagens de 230 a 800 kV ( Kilo Volts) integram as diferentes fontes de produção de energia espalhadas pelo país com 174,7 GW (Giga Watts) de capacidade instalada por cerca de 10 mil empreendimentos de geração de energia elétrica. A alta voltagem permite que grandes quantidades de energia sejam transmitidas com poucas perdas elétricas.
O planejamento do setor elétrico é executado pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE, autarquia ligada ao Ministério de Minas e Energia, que elabora todos os estudos de geração e consumo no setor e que define as obras que necessitam de serem executadas para atender a expansão do mercado ao longo dos anos. Já o acompanhamento de curto prazo é feito pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico – CMSE, órgão colegiado constituído no âmbito do Poder Executivo, sob a coordenação direta do Ministério de Minas e Energia, responsável pelo acompanhamento e avaliação permanente da continuidade e da segurança de suprimento eletroenergético em todo território nacional.
Mais de 80% da energia elétrica produzida no país é proveniente de fontes renováveis (Hidro, eólica, solar, biomassa) enquanto nos outros países da OCDE ficam na faixa de 24%, tendo a fonte hídrica a maior participação com cerca de 65%, a eólica com 9%, a Biomassa com 8% e a solar fotovoltáica com menos de 1,5%. O restante são térmicas a gás, a óleo diesel, a carvão mineral e nuclear, ditas não renováveis, representando cerca de 16,5%. A Usina hidrelétrica de Itaipu é muito importante para o sistema elétrico nacional. É uma empresa binacional pertencente a Brasil e Paraguai com 14.000 MW de potência instalada. É a segunda maior do mundo, atrás da Usina de Três Gargantas na China, que possui 18.200 MW de potência instalada, porém é a primeira em produção, gerando em média cerca de 90 milhões de MWh por ano. Em 2016 alcançou um recorde, produzindo cerca de 103 milhões de MWh e consegue fornecer cerca de 11,3% da energia consumida no país e atender 88,1% do mercado paraguaio.
A imensa malha de transmissão permite a transferência de energia entre regiões ou submercados (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste/Centro Oeste) explorando a diversidade entre os regimes hidrológicos das várias bacias hidrográficas do país e dando flexibilidade e segurança operacional ao sistema elétrico nacional. A energia elétrica pode fluir de uma determinada região para outra. Esse fluxo é definido de acordo com as necessidades de otimização do sistema de transmissão e geração ou mesmo em função de riscos associados à baixa armazenagem de água em reservatórios das grandes usinas hidrelétricas de uma dada região e também devido a contingências ou emergências ocorridas no sistema elétrico.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS é o órgão responsável pela coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no sistema interligado brasileiro. O ONS é composto por membros associados e membros participantes, que são as empresas de geração, transmissão, distribuição, consumidores livres, importadores e exportadores de energia e Ministério de Minas e Energia. Foi instituído como uma pessoa jurídica de direito privado, sob a forma de associação civil sem fins lucrativos.
O ONS possui Centros de Operação Regionais no Rio de Janeiro para o Sudeste, Recife para o Nordeste, Florianópolis para o Sul e Brasília para o Norte/Centro Oeste, além do Nacional também em Brasília, que realizam ininterruptamente em tempo real a coordenação, supervisão e controle de toda a rede de operação do Sistema Interligado Nacional – SIN. Todos os Centros de Operação das empresas geradoras, transmissoras e distribuidoras estão sob a hierarquia operacional do ONS onde através da integração com sistemas de telessupervisão e controle de todas as empresas, controla e monitora todo o Sistema elétrico nacional. Anualmente este controla mais de 50 mil intervenções e recebe a cada 5 segundos mais de 70 mil parâmetros elétricos e mais de 150 mil estados de chaves e disjuntores das subestações. Todas as intervenções nos equipamentos são realizadas remotamente através de modernos softwares e eficientes sistemas de telecomunicações, fundamentais para realização do monitoramento em tempo real e tomada de decisões.
Além de coordenar a operação de todo o Sistema Interligado Nacional – SIN, o ONS faz a programação diária de intercâmbio de energia entre as regiões do país, e, sendo necessário, envia mais energia de uma região em que está com reservatórios mais cheios para outras, cujos reservatórios estão mais depreciados, com menor armazenagem. Por exemplo: em determinados momentos, o Sul envia energia para a Região Sudeste/Centro Oeste, a Região Norte para o Nordeste e o Sudeste/Centro Oeste também para o Nordeste. Nas suas programações de despacho das Usinas, leva-se em consideração critérios técnica, de custos e de segurança energética. No caso das térmicas tão utilizadas no período de seca, procura-se sempre despachar primeiramente as de menor custo para as de maior custo. Quando o operador decide gerar a partir de uma usina mais cara, este se chama despacho fora da ordem do mérito, que ocorre em situações excepcionais e necessárias.
Neste imenso e complexo sistema elétrico, as geradoras produzem a energia, as transmissoras a transportam do ponto de geração até subestações nos grandes centros consumidores, de onde as distribuidoras a levam até a casa dos cidadãos e às empresas. A energia gerada nas várias usinas é transportada por linhas de transmissão de alta voltagem por longas distâncias até as subestações das distribuidoras, que rebaixam essa energia para voltagens menores e disponibilizam para o consumo através de uma infraestrutura composta de redes e transformadores de distribuição.
Existem duas formas para os consumidores adquirirem sua energia: via mercado regulado ou via mercado livre. Os consumidores do mercado regulado, chamados de cativos são aqueles que compram a energia elétrica diretamente e obrigatoriamente da distribuidora local. Hoje são a grande maioria, cerca de 85 milhões no país ou 99,8 % dos consumidores, sem poder escolher de qual empresa deseja adquirir sua energia. As distribuidoras adquirem a energia de que necessitam para atender a expansão do seu mercado cativo em grandes leilões nacionais promovidos pela ANEEL.
Os consumidores livres possuem liberdade de escolha e condições pré-estabelecidas em contrato como preço, prazo, índice de reajuste, etc. Atualmente só grandes consumidores acima de 500 kW de demanda contratada em cada unidade consumidora ou que reúnam várias unidades com mesmo CNPJ podem adquirir sua energia de fontes renováveis no mercado livre com descontos que vão de 20 a 30%. São apenas cerca de 20 mil consumidores nessa modalidade, mas que representam cerca de 34% de toda a energia consumida no país. Para comprar a energia que precisam, o fazem diretamente de um agente gerador ou de um intermediário, neste caso, um agente comercializador de energia elétrica. Quando um consumidor migra do mercado cativo para o mercado livre, alguns custos e encargos ficam para os outros consumidores cativos arcarem. É preciso maior isonomia!
No Setor Elétrico a CCEE – Câmara de Comercialização de Energia Elétrica se encarrega de fazer a gestão de todos os contratos de compra e venda de energia. Trata-se de uma sociedade civil de direito privado e sem fins lucrativos, mantida pelo conjunto de agentes que atuam no mercado de compra e venda de energia – ou seja, as empresas geradoras (concessionárias de serviço público, produtores independentes e autoprodutores), distribuidoras, comercializadoras, importadoras e exportadoras de energia elétrica, além dos consumidores livres. Funciona também como ambiente para compra e venda de sobras e déficits de energia. Se um agente gerador produz menos energia que deveria, este gerador precisa compensar isso comprando energia de algum outro agente que tenha eventualmente sobra de energia. Seria uma espécie de “bolsa da energia”.
Infelizmente o atual modelo regulatório do país nos leva a uma condição da conta muito alta para os consumidores cativos, e já dá sinais de esgotamento. Dependemos do interesse político para resolver essa questão no Congresso Nacional. Outra possibilidade seria facilitar o acesso de todos os consumidores cativos ao mercado livre, o que também demandaria mudanças legais e flexibilização das atuais regras de participação desse tipo de mercado. O PLS 232 em tramitação no Congresso Nacional prevê dentre outras coisas a abertura do mercado dentro de três anos para todos os consumidores do mercado regulado ou cativo. Contudo, continuarão a pagar pelo serviço das distribuidoras, que leva a energia até o ponto de consumo. Neste cenário, as atividades de comercialização e energia seriam separadas e as distribuidoras seriam remuneradas pelo “fio” ou uso das redes e infra estrutura de ativos para a energia chegar até os consumidores.
O conjunto de vários fatores é que contribui para a existência de um bom sistema elétrico. No caso, é a capacidade de geração por diversas fontes associada a um sistema interligado composto de várias linhas de transmissão que interligam as várias regiões do país que possibilitam maior confiabilidade, continuidade, estabilidade, flexibilidade e segurança operacional. Temos robustez e flexibilidade operacional no sistema de transmissão e uma matriz de geração invejável composta por mais de 80% de fontes renováveis, mas apesar de tudo isto o preço não cai na ponta para o consumidor. É preciso um esforço muito grande envolvendo Congresso, Estados e Governo Federal para mudar esta situação. A sociedade agradece!
Grandes desafios nos próximos anos deverão ser enfrentados como a necessidade de maior diversificação da matriz de geração, atualmente muito dependente da afluência de chuvas e dificuldades ambientais para se construir novas hidrelétricas com reservatórios. Em função da perda gradativa ao longo dos anos da capacidade de regularização plurianual com menos água armazenada nos reservatórios das grandes usinas hidrelétricas o despacho de usinas térmicas tem sido utilizado com mais frequência nos períodos de maior estiagem. Esta é uma grande discussão que deve envolver toda a sociedade de forma transparente para combinar com equilíbrio, o crescimento do mercado, a sustentabilidade, a diversificação da matriz de geração e o custo da conta de energia.
As usinas chamadas de “Base” tem a possibilidade de estocar o recurso para gerar energia elétrica, como as fontes hidráulicas, térmicas a carvão, a gás, a óleo combustível e nuclear. Já as usinas ditas “Complementares” como as fontes eólica e solar dependem da disponibilidade de vento ou radiação do sol. Elas não podem ser armazenadas e não são “despacháveis”. Ajudam na economia de combustíveis nas térmicas ou água nos reservatórios das hidrelétricas. A intermitência de algumas fontes não é um problema específico dessas tecnologias. Os períodos de seca sempre geram a apreensão e expectativa de que os níveis dos reservatórios das usinas hidrelétricas não possam garantir o funcionamento das mesmas. E aí entram em cena as famosas bandeiras tarifárias que oneram mais a conta do consumidor, já que as térmicas utilizadas nessas situações são muito mais onerosas!
Devido às particularidades de cada região, questões de fusos horários diferentes dentro do próprio país e comportamentos específicos de cada segmento de consumo, a operação do SIN enfrenta desafios diários para realizar a modulação da geração x carga com vários perfis de consumo de energia elétrica. Segmentos industrial, comercial, residencial, rural, iluminação pública tem comportamentos específicos e o sistema elétrico tem que estar preparado para responder às demandas e otimizar todos os recursos eletroenergéticos disponíveis.
Sobre o ocorrido no Amapá em novembro de 2020, que culminou numa grave crise energética para cerca de 90% da população daquele estado por cerca de três semanas, muitos questionamentos surgiram. Mas não podemos colocar em dúvida a robustez e a confiabilidade do sistema elétrico nacional. Sem dúvida o setor elétrico irá aprender com este acidente e aprimorar o modelo, e a refinar os procedimentos de fiscalização que se fazem necessários. As questões de segurança deverão ser mais rigorosas, notadamente neste tipo de mercado, dito “mercado terminal”, onde não há a flexibilidade para remanejar fluxos de energia elétrica de uma subestação para outra em casos de contingências severas como a que ocorreu numa subestação.
Por fim, um outro grande desafio também será a operação do sistema elétrico poder otimizar e acomodar com inteligência todas as fontes intermitentes (eólicas e solares, por exemplo) e as despacháveis (hidrelétricas e termoelétricas), realizando um mix ideal na combinação destas tecnologias em um sistema integrado, bem como adotando novas tecnologias de armazenamento de energia visando sempre uma ótima resposta em regime normal e frente a distúrbios/contingências, além repassar os custos justos para os consumidores.
Teomar Estevão Magri, Engenheiro Eletricista com MBA em Gestão de Negócios, Especialista e Consultor em Energia, membro do Conselho de Consumidores de Energia Elétrica de Mato Grosso-Concel MT.
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