Temos no Brasil uma das matrizes elétricas de geração de energia mais limpas do mundo. Ainda assim, a conta não cai na ponta para o consumidor de energia elétrica. Neste momento agravada com as Bandeiras Tarifárias, que devido a crise hídrica encontram-se com valores extremamente elevados para custear a operação de usinas termoelétricas, mais caras e poluentes em função do baixo nível de armazenamento de água nos reservatórios das grandes usinas hidrelétricas do país devido a hidrologia mais desfavorável no último ciclo hidrológico.
E o consumidor na sua imensa maioria fica refém de monopólios de distribuição de energia, sem poder de escolha de qual empresa habilitada vai adquirir a energia que precisa. Este consumidor do chamado grupo B paga um único valor do kwh (tarifa convencional) independentemente do horário e dia da semana em que consome a energia. A ANEEL-Agência Nacional de Energia Elétrica estabeleceu a tarifa branca para este consumidor como uma opção para reduzir um pouco a sua conta. Com a tarifa branca, o consumidor tem a possibilidade de pagar valores diferentes em função da hora e do dia da semana em que consome a energia elétrica e este valor varia ao longo do dia, de acordo com três faixas de horário: Ponta – período em que a tarifa é mais cara; Intermediário – período com tarifa intermediária; Fora de ponta – período com tarifa mais baixa. Justamente por causa do aumento da tarifa nos horários de ponta e intermediário, a modalidade não é vantajosa para todos.
Muitos consumidores das classes comercial, residencial e industrial na baixa tensão podem aderir e pagar um preço menor pela energia. Com tão poucas opções dadas ao consumidor não resta dúvida que seria uma boa iniciativa, mas os riscos são grandes devidos aos valores extremamente altos nas tarifas de ponta e intermediária, respectivamente. Esforços muito grandes do consumidor podem traduzir economia na conta da ordem de 10 a 18% no máximo. Mas é bom ter cuidado, pois a conta também pode ficar mais cara se não observarmos com rigor a gestão do uso da energia. É preciso conhecer e analisar bem o perfil de consumo de cada um. Existem aplicativos em que os consumidores por meio simulações podem calcular se a adesão à tarifa branca é vantajosa ou não.
O resultado até agora é que a adesão a esta modalidade foi muito baixa. Parte da explicação está no baixo retorno. Um levantamento da própria Agência, de dezembro/2020, aponta que consumidores que aderiram à tarifa branca perceberam redução média de apenas 4% na conta de luz. Segundo dados da ANEEL, o país tem cerca de 87 milhões unidades consumidoras de baixa tensão (casas, imóveis rurais, indústria e comércio de pequeno porte). Pouco mais de 75 milhões podem aderir à tarifa branca, mas só cerca de 58 mil o fizeram.
Outra possibilidade seria o consumidor gerar sua própria energia de origem renovável. Neste sentido, a regulamentação da modalidade de micro e a minigeração distribuída pela Resolução 482/2012, posteriormente aperfeiçoada pela Resolução Nº 687/2015, ambas da ANEEL, foram fundamentais para normatização da produção de energia elétrica a partir de pequenas centrais geradoras que utilizam estas fontes conectadas à rede de distribuição por meio de instalações das unidades consumidoras. O excedente é injetado na rede e volta para o consumidor em horários que ele necessita desta energia num regime de compensação de créditos denominado de “net metering”. Uma nova figura foi criada, a do consumidor gerador ou prosumidor, trazendo maior poder para o mesmo. Porém um novo marco regulatório está em discussão no Congresso Nacional. É preciso continuar incentivando este segmento e trazer mais segurança para os consumidores e empresas investirem. Porém deve haver um ponto de equilíbrio para quem instala e para quem não instala seu sistema de geração.
No país já são por volta de 703 mil unidades consumidoras nesta modalidade com uma potência instalada próxima de 6.500 MW. Com cerca de 87 milhões de consumidores cativos, ou seja, somente cerca de 0,8% tiveram esta oportunidade. Em Mato Grosso contamos com aproximadamente 33 mil unidades (2,2% do total) com uma potência instalada total de cerca de 491,5 MW, abrangendo as várias formas de energia renovável, notadamente a energia solar fotovoltaica onde o estado ocupa a quarta posição no ranking dentre os estados. Cuiabá, por sua vez, figura em primeiro no ranking dentre todos os municípios do país de acordo com dados de julho de 2021 provenientes da ABSOLAR-Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltáica. Qual o sucesso de Cuiabá e Mato Grosso na implantação deste tipo de geração de energia? A resposta consiste numa mistura de fatores, sendo eles a tarifa muito alta, carga tributária elevada, consumo residencial acima da média nacional em 40% devido às altas temperaturas, bons níveis de radiação solar somado ao fato de Mato Grosso se tornar um dos primeiros estados a incentivar este segmento a partir de 01/01/2016.
Outro questionamento vem à tona. Quando então seremos livres na sua plenitude para escolhermos de qual empresa desejamos adquirir a nossa energia elétrica? A ABRACEEL-Associação Brasileira de Comercializadores de Energia Elétrica lançou em 2019 um Ranking Internacional de Liberdade de Energia Elétrica: o estudo mostra o quanto a população de cada país pode escolher livremente o fornecedor de eletricidade. Este levantamento conta com 56 países, no qual 62,5% já tornaram livre a escolha para 100% da população; esse ranking é liderado pelo Japão, seguido de Alemanha, Coréia do Sul, França e Reino Unido. O Brasil ocupa a 55º posição e possui uma liberdade restrita a grandes consumidores, menos de 0,2% do total. É preciso urgentemente ampliar o mercado para toda a população e alocar de forma justa os custos e riscos para toda a cadeia do setor elétrico.
Figura – Ranking Internacional de Liberdade de Energia Elétrica. (Fonte: ABRACEEL/2019).
Neste cenário, as atividades de comercialização e energia seriam separadas e as distribuidoras seriam remuneradas pelo “fio” ou uso das redes/infraestrutura de ativos para a energia chegar até os consumidores. A aprovação do PL Nº 414/2021 em tramitação no Congresso Nacional fará com que o mercado livre de energia elétrica seja acessível a todos os consumidores, inclusive residencial, e elevará o país para a quarta posição no Ranking Internacional de Liberdade de Energia Elétrica.
Atualmente, só tem total liberdade de escolha do fornecedor de energia elétrica os grandes consumidores com demanda acima de 500 kW de demanda contratada em cada unidade consumidora, ou reunindo-se várias unidades consumidoras com mesmo CNPJ proporcionando assim a aquisição de sua energia renovável no mercado livre. Esses consumidores possuem as seguintes vantagens:
- Poder de escolha da fonte desejada, do período de contratação, e de eventuais flexibilidades e necessidades;
- Redução de preços na conta de luz, aumentando a eficiência, por meio de um mercado competitivo;
- Flexibilidade, que possibilita a negociação de preços, volume, prazo, fonte e outros entre o consumidor e o fornecedor de energia;
- Previsibilidade, definição de preços previamente no horizonte de contratos.
Por fim, podemos dizer que o mercado livre já representa quase 35% de toda a energia elétrica consumida no país e possibilita a seus consumidores, em média, uma economia de até 35% nas suas contas de energia elétrica. A ANEEL, também nesta direção, lançou recentemente a Tomada de Subsídios 010/2021 para receber contribuições da sociedade sobre a Abertura do Mercado Livre. É importante que o PL 414/2021 que prevê a modernização do setor e a abertura gradual do mercado de energia seja aprovado com urgência pela Câmara dos Deputados, para permitir o poder de escolha dos consumidores e garantir competitividade e regras de mercado aos preços da energia.
No ano passado devido a redução de consumo de energia elétrica em função da pandemia, um socorro de R$ 15 bilhões para as distribuidoras caiu nas costas dos consumidores cativos. E mais, via empréstimo bancário, repassando CDI + 3,9% aos mesmos. Não parece justo! Isso somente ocorre pelos problemas do atual modelo do setor elétrico que concentra os riscos de contratação de energia nas distribuidoras.
É urgente separar as atividades de “fio” das atividades de comercialização de energia nas distribuidoras e liberar o mercado de energia para todos. Desta forma e gradativamente deve-se abandonar esse modelo de regulação perversa onde os consumidores cativos são obrigados a assumirem todos os custos e riscos da cadeia do setor.
Por isso se faz tão urgente o pedido: Liberdade já para todos os consumidores cativos de energia elétrica, grandes, médios e pequenos, que atualmente só podem adquirir sua energia das distribuidoras locais. Concorrência já, e o consumidor agradece!
Teomar Estevão Magri, Engenheiro Eletricista com MBA em Gestão de Negócios, Especialista e Consultor em Energia, membro do Conselho de Consumidores de Energia Elétrica de Mato Grosso-CONCEL MT.
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