O cacique Raoni Metuktire, líder indígena da etnia kayapó, aproveitou a oportunidade de estar ao lado do presidente da França, Emmanuel Macron, que visita o Brasil, e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para fazer um pedido: Raoni pediu expressamente a Lula que não aprovasse o projeto de construção da Ferrogrão, ferrovia que pode se transformar em uma das mais importantes rotas de escoamento do agronegócio brasileiro.
Conforme dados divulgados pela ClimaInfo, a ferrovia acumula multas por crimes ambientais desde o início do projeto, que cresceram 190%.
A Ferrogrão é um projeto ferroviário de quase 1.000 km que liga Sinop, no Mato Grosso, a Miritituba, no Pará. Defendida com unhas e dentes pelo agronegócio, a ferrovia tem um traçado que atravessa o bioma amazônico e afeta Terras Indígenas e Unidades de Conservação. E mesmo sem sair do papel, e com estudos suspensos temporariamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já provoca estragos.
É o que mostra um levantamento feito pela InfoAmazonia com base em dados da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS) do Pará. De 2014, ano de início do estudo de viabilidade técnica da Ferrogrão, até 2022, o órgão emitiu 6.972 multas na região (em um raio de 50 km ao redor do traçado da ferrovia), ante 2.389 no período anterior, de 2005 a 2013. Um aumento de 190% nas multas por crimes ambientais.
Após o edital da Ferrogrão, além de quase triplicar o número de multas, houve uma mudança no tipo de crime ambiental registrado pela SEMAS. Até 2013, os delitos eram limitados principalmente a três categorias: desmatamento, construção de serrarias ilegais e extração de madeira. Depois, a variedade aumentou e passou a envolver também o porte de motosserra e uso de trator dentro de florestas protegidas, apreensão de animais silvestres em cativeiro, uso de mercúrio e extração de ouro em garimpo ilegal, entre outros.
Além disso, as infrações de 2014 até 2022 geraram multas que hoje somam R$ 5,5 bilhões, corrigidos pelo IPCA, valor 130% maior do que o do período anterior, de R$ 2,4 bilhões (2005 a 2013), também corrigidos. Dentre elas, 46% foram por desmatamento. Novo Progresso e Itaituba, cidades incluídas no traçado da ferrovia, reúnem 62% dos casos de todos os tipos na região, com 4.349 mil multas aplicadas pela SEMAS do Pará após o início do projeto.
Surpreendendo zero pessoas, a ferrovia tem apoio da bancada ruralista. Neste mês, o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) discursou no plenário em defesa do projeto e disse que sua construção “reduziria em 77%” as emissões de CO2 na região. Mas, como mostrou o Fakebook.eco, em análise reproduzida pelo ((o))eco, os dados apresentados pelo senador são inverificáveis. Além disso, mesmo se corretos, não permitiriam a conclusão de que a construção da ferrovia reduziria emissões.
Em setembro do ano passado, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspendeu por seis meses a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.553, impetrada pelo PSOL, e pediu mais estudos sobre o projeto e consulta aos atingidos. A ADI questiona lei federal de 2017 que excluiu 862 hectares do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, destinando a área ao projeto.
Diante da possível retomada do julgamento, o partido e entidades de apoio aos Povos Indígenas pediram a Moraes a extensão da suspensão por mais seis meses.
No início deste mês, um tribunal popular, formado por indígenas, ribeirinhos e representantes de movimentos sociais, fez um julgamento simbólico condenando o projeto e pedindo sua extinção. No mesmo dia, houve um protesto em frente ao porto da Cargill. Ao lado de ADM, Amaggi, Bunge e Dreyfus, a Cargill foi uma das “autoras intelectuais” da Ferrogrão.