Em 2024, o Ranking Mundial de Competitividade, que começou em 1989 e agora está na 36ª edição, passa a avaliar 67 países, incluindo Nigéria, Gana e Porto Rico. Como o Anuário analisa e compara os esforços de competitividade entre os países, ele é uma fonte relevante de orientação para governos e empresas identificarem áreas estratégicas para concentrar seus recursos e implementar melhores práticas visando aprimorar a posição competitiva.
“A competitividade de uma economia não se resume apenas ao PIB e à produtividade, visto que as empresas também têm que lidar com aspectos políticos, sociais e culturais. Nesse sentido, os governos devem fornecer um ambiente favorável ao desenvolvimento e crescimento de negócios, com infraestruturas, instituições e políticas adequadas e eficientes que incentivem as empresas”, explica Hugo Tadeu, professor, diretor do Núcleo de Inovação e Tecnologias Digitais da Fundação Dom Cabral (FDC) e líder da pesquisa no Brasil.
O Brasil perdeu 2 posições e está em 62º, posição mais baixa dos últimos anos, com piora em eficiência governamental e infraestrutura em relação ao ano passado. Porém, ficou estável em eficiência empresarial (61º) e teve sua melhor posição (38º) em performance econômica. O resultado nesse último indicador pode ser explicado pelo crescimento da oferta de empregos e pela queda da inflação. Subsídios governamentais (4º), crescimento de longo prazo de emprego (5º), crescimento do PIB real per capita (5º), fluxo de investimento direto estrangeiro (5º) e energias renováveis (5º) são destaques positivos. Entretanto, educação em gestão (67°), habilidades linguísticas (67°), dívida corporativa (67°), habilidades financeiras (66°), educação básica e secundária (66°) e educação universitária (66°) estão entre os piores resultados do país.
Singapura obteve o 1º lugar no Ranking, ao subir três posições, desbancando Suíça (2º), Dinamarca (3º) e Irlanda (4º), que ocupavam a 3ª, 1ª e 2ª posições, respectivamente, no Anuário do ano passado. Todos esses países têm economias pequenas, mas conseguiram esses resultados por possuírem uma boa estrutura institucional e utilizarem bem seus acessos a mercados e a parceiros comerciais. Singapura se tornou um centro internacional na Ásia devido à infraestrutura tecnológica avançada, instituições sólidas e um mercado atrativo, com empregos, inovação e oportunidades, o que justifica sua liderança.
Além disso, pode-se observar uma grande presença do continente europeu nas 10 primeiras colocações. A Suíça se encontra na 1ª posição em eficiência governamental, com instituições robustas, funcionais e estáveis, que garantem uma gestão responsável e eficaz, criando um ambiente de negócios confiável e seguro. O país também é o líder em infraestrutura, sendo conhecido por ter uma malha ferroviária bem desenvolvida por meio da sua política de transporte para aumentar sua atratividade para negócios e sua mobilidade de forma sustentável. Outro destaque da Europa é a Dinamarca, que recebeu 1° lugar em eficiência empresarial por ser um ambiente seguro e com alta flexibilidade para negócios, em que a abertura para novos empreendimentos é rápida e com custos baixos, além de permitir acesso não somente ao mercado dinamarquês, como para toda a Europa.
É importante ressaltar a presença dos Emirados Árabes Unidos em 7° lugar, sendo o único país da região do Oriente Médio entre os primeiros colocados. A nação alcançou o 2° lugar em performance econômica, impulsionada pela abertura econômica a negócios e investimentos estrangeiros por meio da criação de zonas econômicas com baixa regulamentação e carga tributária, com o objetivo de diversificar sua economia, mesmo sendo um dos maiores produtores de petróleo do mundo. Além disso, ficou em 4° em eficiência governamental devido à simplificação e digitalização de processos governamentais administrativos, visando se tornar um governo inteligente.
Por outro lado, os 10° piores classificados são compostos majoritariamente por países da América Latina e África, incluindo o Brasil, com alguns da Ásia e do Leste Europeu. A África do Sul, atual membro do BRICS, ficou na 60ª colocação, obtendo sua melhor posição em eficiência empresarial (48º). O país possui uma economia que está em rápido crescimento com possibilidades em inúmeros segmentos, além de ser uma porta de entrada para mercados da África Subsaariana. Apesar disso, a África do Sul teve uma média de crescimento do PIB de apenas 0,8% desde 2012, sendo insuficiente para enfrentar os altos níveis de pobreza e desemprego, evidenciado pelo 61º lugar em performance econômica. Na América Latina, a Argentina obteve a penúltima posição no Ranking (66º), puxada principalmente por eficiência governamental (67º) e eficiência empresarial (66º), ressaltando a necessidade de reformas econômicas e governamentais.
A partir do contexto global, é possível entender melhor dos resultados de competitividade do Brasil, a fim de identificar quais indicadores contribuíram para o desempenho do país e quais se destacaram frente aos demais países.
O Brasil apresentou alguns destaques positivos, principalmente no fator performance econômica, sobretudo em subfatores de crescimento e investimentos. Contudo, o posicionamento do país nas últimas posições em alguns subfatores de eficiência empresarial e infraestrutura, como educação em gestão (67°) e dívida corporativa (67°), acabou influenciando a posição brasileira geral no Ranking.
O Brasil conseguiu sua melhor posição (4º) no subfator subsídios governamentais, o que pode ser explicado pela implementação do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um programa de investimentos governamental em parceria com o setor privado que atua em diversas áreas, como educação, ciência, tecnologia, saúde, energia, entre outros.
Além disso, o país ficou em 5º lugar em crescimento de longo prazo de emprego, visto que, em março de 2024, foram criadas 244 mil novas vagas formais, sendo o segundo melhor resultado desde 2002. Foi atingida a marca de 46 milhões de pessoas ocupadas com carteira assinada, que representa o número mais elevado da história.
Nesse sentido, o Brasil também obteve uma boa posição (5°) no crescimento do PIB real per capita. Em 2023, o PIB brasileiro cresceu 2,2%, fechando o ano em R$ 50.193,72, com alta no setor de agropecuária, principalmente por causa do ganho de produtividade e crescimento da produção.
No subfator fluxo de investimento direto estrangeiro, o país está na 5ª posição, visto que, em março de 2024, foram registrados a entrada de US$ 9,6 bilhões (o melhor março em 12 anos). A atração desses investimentos estrangeiros pode ser atribuída à manutenção de um cenário de crescimento, com um bom nível de atividade produtiva, e ao aquecimento do mercado de trabalho. Nesse contexto, o Brasil voltou, em 2024 para o Ranking dos 25 países mais atrativos para o investimento estrangeiro (ocupa a 19ª posição no Índice de Confiança para Investimento Direto Estrangeiro).
Por outro lado, em infraestrutura, o Brasil se destacou em energias renováveis (5°), setor que está em expansão devido à redução de custos de equipamentos eólicos e solares e a incentivos, como condições de financiamento menos exigentes e subsídios. Em 2023, 93,1% de toda energia elétrica produzida no Brasil vieram de fontes renováveis, como hidrelétricas, parques eólicos, fazendas solares e usinas a biomassa, registrando o maior percentual da história.
ATENÇÃO 1: EDUCAÇÃO EM GESTÃO
A educação em gestão do Brasil ficou na última colocação do Ranking, demonstrando a necessidade de investir em educação executiva, com programas específicos e focados em habilidades fundamentais para profissionais de alto nível dentro das organizações. Esse tipo de formação é fundamental para se manter atualizado e relevante no mercado de trabalho, enfrentando um ambiente cada vez mais competitivo.
A Suíça ficou em 1° lugar desse subfator, sendo altamente valorizada e reconhecida internacionalmente por sua qualidade educacional e inovação. As escolas de negócios suíças oferecem uma grande variedade de programas especializados e personalizados, visando cumprir os objetivos e as necessidades dos mais diversos profissionais e executivos. Destaca-se a ênfase no aprendizado prático, com aplicação dos conhecimentos técnicos em casos reais e desenvolvimento de projetos. O país abriga algumas das instituições mais prestigiadas do mundo como o International Institute for Management Development, que realiza o Ranking de competitividade mundial. Além disso, devido à sua localização central na Europa, os programas acabam promovendo um encontro de participantes de diversas nacionalidades e de diversos setores.
ATENÇÃO 2: HABILIDADES LINGUÍSTICAS
As habilidades linguísticas são compostas pela capacidade de escutar, falar, ler e escrever, fundamentais para a comunicação entre pessoas. O Brasil obteve o 67° nesse subfator, o que pode ser explicado pelo fato de 11,4 milhões de pessoas com 15 anos ou mais não saberem ler ou escrever, segundo o Censo de 2022 do IBGE. Além disso, por causa de lacunas na educação básica, um alto percentual da população tem dificuldades na leitura, escrita e compreensão, condição chamada de analfabetismo funcional. Um ponto a se destacar é que essa situação atinge o país de maneira desigual, sendo mais frequente em populações em condições socioeconômicas desfavorecidas e em idosos. Nesse sentido, é importante focar no desenvolvimento das competências da população em português, fundamental para a comunicação e compreensão.
“O Brasil ainda tem um desafio considerável na qualidade da sua educação. Se por um lado, a educação básica acabou de passar por uma reformulação curricular, o que é um ponto positivo, por outro lado, ainda existe uma demanda para formar jovens alinhados aos desafios da sociedade atual, com uma excelente formação em habilidades linguísticas, matemática, ciências e tecnologias. E a educação superior ainda carece de um maior alinhamento com o mercado, formando profissionais aptos para as funções de trabalho, com ganhos percebidos de produtividade, crescimento econômico e social. Portanto, falta para a educação um claro plano estratégico, casado com os interesses de crescimento do país”, analisa Hugo Tadeu.
Na Dinamarca (1°), desde a educação básica, as crianças são ensinadas tanto dinamarquês quanto inglês, também podendo escolher outras línguas como eletivas. Dessa forma, é possível perceber que o currículo dinamarquês valoriza e estimula o aprendizado de línguas. Já a Suíça (2°), por ter 4 idiomas oficiais, opta por colocar alunos de diferentes estágios de desenvolvimento, com capacidades, origens e línguas distintas, nas mesmas salas, prezando pela integração. Porém, os alunos recebem aulas intensivas na língua da região.
Apesar do cenário dos dois países citados ser bem diferente, é importante que o Brasil fortaleça o currículo escolar para garantir um foco em linguagem desde os primeiros anos escolares. Para isso, deve investir na formação contínua dos professores para que eles tenham os melhores mecanismos e técnicas para ensino da leitura e da escrita.
ATENÇÃO 3: DÍVIDA CORPORATIVA
No subfator dívida corporativa, o Brasil ficou na última posição (67°). Isso pode ser explicado pela qualidade da dívida corporativa no país, que é mais baixa em comparação com outros economias, devido a condições econômicas mais voláteis. Além disso, as empresas brasileiras recorrem a ofertas públicas para financiamentos, o que acaba não permitindo o desenvolvimento do mercado de dívida corporativa.
Na Suíça (1°), as empresas mantêm baixos níveis de endividamento, por meio de uma gestão eficiente de recursos, porém, caso precisem, têm fácil acesso a crédito por causa de taxas de juros relativamente baixas. Nesse sentido, o país é considerado um dos locais mais seguros para se investir e com ótimas condições de financiamento, por ter uma economia estável e, assim, oferecer menos riscos.
Nesse sentido, devem ser tomadas medidas para aumentar a atratividade e segurança do mercado de dívida corporativa brasileiro. Esse cenário já vem mudando, com muitas companhias que antes dependiam de recursos públicos para investir lançando títulos de dívida como debêntures, devido à queda da inflação e dos juros. Uma taxa de juros menos significa um ambiente menor risco e mais favorável para a entrada de investidores, barateando as dívidas das empresas. Além disso, o endividamento é uma boa opção desde que o retorno esperado do investimento supere o custo da dívida, algo que tem sido comum em alguns setores.
ATENÇÃO 4: HABILIDADES FINANCEIRAS
O Brasil lidera a inclusão financeira na América Latina, com 84% dos adultos com acesso a contas, porém a maioria da população não possui os conhecimentos para utilizar os produtos bancários da melhor maneira, o que explica a posição 66° em habilidades financeiras. Em maio de 2024, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), o percentual de famílias endividadas atingiu 78,8% o maior resultado desde novembro de 2022, demonstrando uma alta demanda por crédito associada a queda dos juros. Dessa forma, para evitar situações como essa, é fundamental o desenvolvimento de habilidades relacionadas ao gerenciamento de dinheiro e finanças pessoais.
Em Singapura, que conseguiu ser o 1° colocado, foi estabelecido em 2003 um programa nacional de educação financeira, o MoneySense, com o objetivo de ajudar os nativos a gerirem bem seu dinheiro e a tomarem decisões financeiras responsáveis e conscientes. Além disso, o Institute for Financial Literacy, que faz parte do MoneySense, realiza palestras e workshops gratuitos em escolas, empresas e locais públicos sobre finanças pessoais, seguros, investimentos e planejamento de aposentadoria. A proposta de ambas as iniciativas é fornecer informações fáceis e práticas para que os cidadãos possam fazer seu planejamento financeiro.
Para avançar no tópico, o Brasil deve incluir a educação financeira nos currículos escolares desde as séries iniciais para desenvolver responsabilidade financeira. Além disso, deve promover cursos de alta qualidade para capacitação dos adultos, visando estimular o consumo consciente, a poupança e investimentos seguros. Com essas medidas, seria possível diminuir as dívidas do povo brasileiro e diminuir a desigualdade de renda.
ATENÇÃO 5: EDUCAÇÃO BÁSICA, SECUNDÁRIA E UNIVERSITÁRIA
O Brasil ficou em 66º tanto em educação básica e secundária quanto em educação universitária. Segundo a PNAD Contínua realizada pelo IBGE, 8,8 milhões de brasileiros de 18 a 29 anos não terminaram o ensino médio e não frequentam nenhuma instituição de educação básica.
Suíça e Singapura se destacam em todos os níveis de educação, ocupando a 1ª e 2ª, respectivamente. No primeiro país, os níveis de educação de educação são altos, sendo o ensino médio um padrão para a maioria da população e a educação superior é altamente difundida. Um dos grandes destaques do sistema educacional suíço é sua flexibilidade, em que os alunos podem escolher entre uma formação profissional, em que têm experiências em empresas por meio de estágios e aulas profissionalizantes alguns dias por semana, e uma educação geral, que os prepara para o ensino superior. Já em Singapura, é adotado um currículo nacional, revisado regularmente, que define de maneira clara as habilidades e conhecimentos que os alunos devem adquirir em cada estágio educacional, contando com testes ao final de cada etapa. Além disso, o governo investe fortemente na formação contínua de seus professores, por meio do Instituto Nacional de Educação (NIE), para garantir sua qualificação e atualização. Outra diferenciação de seu sistema educacional é a forte colaboração entre o Ministério da Educação, o NIE e as escolas, permitindo alinhamento e avaliação do ensino.
No Brasil, poderiam ser ampliados os programas de educação profissional e técnica, preparando os alunos para o mercado de trabalho com habilidades práticas e teóricas. Além disso, são necessários investimentos nas infraestruturas das escolas e principalmente nos professores, por meio da sua formação e remuneração adequada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A avaliação abrangente proporcionada pelo Ranking Mundial de Competitividade permite identificar tanto os pontos forte quanto as deficiências de cada economia, orientando melhor a implementação de políticas públicas e estratégias corporativas. Os países nas melhores colocações do estudo, como Singapura, Suíça e Dinamarca, que consistentemente ocupam posições de destaque no Ranking, têm em comum uma gestão institucional sólida, políticas públicas eficazes e infraestrutura avançada. Esses recursos são utilizados para criar ambientes favoráveis à inovação, investimentos e crescimento, fundamentais para a competitividade, sendo exemplos de boas práticas que devem ser seguidas.
No caso brasileiro, apesar de avanços em performance econômica, com crescimento do PIB per capita e aumento do fluxo de investimentos estrangeiros, o país ainda enfrenta sérios problemas em sua jornada para melhorar sua competitividade.
A baixa disponibilidade de programas de educação executiva e a necessidade de melhorias na educação dificultam a preparação de uma força de trabalho qualificada e competitiva.
Além disso, a falta de transparência e eficiência no setor público, associada a uma burocracia excessiva, certamente dificultam o desenvolvimento do país, desencorajando empreendedores e investidores.
A baixa classificação do Brasil em dívida corporativa destaca a importância de desenvolver o mercado financeiro de forma mais robusta, tornando-o mais acessível às empresas. Assim, será possível reduzir a dependência de financiamentos públicos por meio de investidores.
Mesmo diante desses desafios, o país possui recursos e potencial para melhorar sua posição, impulsionando o crescimento econômico. Contudo, para isso, são necessárias ações coordenadas envolvendo políticas públicas eficazes, investimentos em infraestrutura, educação e inovação, além de parcerias com o setor privado.