A segunda-feira foi marcada por mais um dia de turbulência no mercado financeiro. O dólar voltou a subir e a fechou no maior valor nominal desde a criação do real, rompendo a barreira dos R$ 6. A Bolsa de Valores alternou altas e baixas, mas encerrou o dia com queda.
O dólar comercial encerrou ontem (2) vendido a R$ 6,069, com alta de R$ 0,068 (+1,13%). A cotação operou o dia inteiro em alta. Na máxima do dia, por volta das 13h, chegou a R$ 6,09.
No mercado de ações, o dia foi marcado pela volatilidade. O índice Ibovespa, da B3, fechou aos 125.235 pontos, com queda de 0,34%. O indicador chegou a subir 0,13% por volta das 14h50, mas voltou a ficar negativo nas horas finais de negociação.
A indefinição em relação ao pacote fiscal e ao aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda interferiu nas negociações. Das medidas anunciadas na última quinta-feira (28), o governo até agora não enviou a proposta de emenda à Constituição que limita o valor do abono salarial nem os projetos de lei que reformulam a previdência dos militares e que pretendem mudar a cobrança de Imposto de Renda.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, passou a tarde no Palácio do Planalto fechando o texto final das propostas.
ANÁLISE – Para economistas consultados pela Agência Brasil, uma das explicações para esse aumento é a incerteza do cenário internacional marcado, entre outros fatores, pelo futuro governo de Donald Trump, nos Estados Unidos, que promete taxar concorrentes comerciais. Outro fator predominante foram os anúncios de corte de gastos e de reforma tributária sobre o Imposto de Renda (IR) anunciados pelo governo federal.
Os principais agentes do mercado financeiro esperavam um corte maior que os R$ 70 bilhões em dois anos e os R$ 327 bilhões em cinco anos propostos pelo Executivo, segundo avaliação do diretor-executivo do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI) e professor de economia licenciado da Universidade de Brasília (UnB), André Roncaglia. “O mercado esperava um pacote de cortes e o que veio foi um pacote de contenção do crescimento dos gastos. O mercado ficou frustrado porque esperava um caminho mais austero no sentido de efetivamente reduzir a quantidade de dinheiro gasto no agregado pelo governo e o que o governo entregou foi diminuir o quanto vai aumentar o gasto”, explicou.
O economista e professor da UnB, César Bergo, avaliou que é preciso considerar ainda o cenário global marcado por incertezas, em especial, devido a gestão de Donald Trump, eleito presidente dos EUA, que tem prometido aumentar a taxação das importações.
“Sobretudo em função das medidas que Trump vem anunciando, com o protecionismo e a questão da taxação dos comércios e seu discurso de fortalecimento do dólar. Tudo isso tem afetado o preço do dólar. Contribui também a política monetária americana, que na dúvida não reduz a taxa de juros, então também fortalece o dólar no mundo inteiro”, disse.
INSTABILIDADE DO REAL – O professor André Roncaglia também alerta para o fator externo, em especial, a instabilidade do real no mundo que, segundo o especialista, é a terceira moeda mais usada no mercado de derivativos, que é um tipo de ativo financeiro ligado à especulação. O real fica atrás apenas do dólar e do euro nesse mercado.
“Isso faz do real uma moeda excessivamente volátil. Qualquer espirro que aconteça no plano internacional se traduz aqui com um resfriado, uma gripe ou até algo mais grave como uma pneumonia”, explicou. Para Roncaglia, como há uma incerteza em relação à política dos Estados Unidos, os juros por lá tendem a se manter elevados.
“Quando os juros nos EUA estão altos a gente tende a perder muito mais dólares proporcionalmente aos nossos pares da periferia do sistema por essa característica específica do real. Ou seja, a combinação desses elementos externos faz com que a reação associada ao pacote fiscal interno agrave um processo que já está ocorrendo no plano internacional, que é o dólar se valorizar perante todas as moedas, particularmente as moedas dos países em desenvolvimento”, enfatizou.
RENDA DOS RICOS – Para o economista Paulo Gala, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo (SP) e economista-chefe do Banco Master, além do corte ter sido mais tímido do que o mercado financeiro queria, os agentes entraram em “pânico” quando conheceram a proposta de isentar os trabalhadores que ganham até R$ 5 mil.
“O ajuste no arcabouço fiscal demorou quatro semanas e quando veio, veio junto com uma medida que pode onerar os cofres públicos em mais R$ 50 bilhões se nenhuma medida compensatória for feita. Ou seja, se misturou um pacote de isenção de tributação, que não estava no radar, e foi uma surpresa. Agora, fica o medo de que nem venha o corte de gastos e, se vier, ele seja compensado com corte de imposto”, destacou em uma rede social.
O governo federal sustenta que toda isenção de IR dos que ganham até R$ 5 mil será compensada com o aumento da tributação dos que ganham acima de R$ 50 mil. De acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a reforma da renda será neutra, ou seja, não terá impacto sobre a arrecadação do governo.
Após a alta do dólar desta sexta, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), veio a público afirmar que a isenção do IR dependerá das condições fiscais do país. “Só poderá acontecer se, e somente se, tivermos condições fiscais para isso. Se não tivermos, não vai acontecer”, disse o senador.
Para o economista André Roncaglia, essa foi uma reação defensiva dos principais agentes de ativos financeiros do mercado que temem ter que pagar mais impostos.
“A mensagem foi mal recebida por parte do mercado financeiro que, de repente, estava pedindo corte de gastos e viu que vai ter que participar do ajuste por meio de um aumento na tributação sobre os rendimentos do topo da pirâmide. Os investidores acabam jogando contra o real, não porque eles querem jogar contra a moeda, mas porque é uma reação defensiva, já que eles não sabem para onde vai a política tributária”, explicou.
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