A invasão da Rússia à Ucrânia está bem distante do Brasil, no entanto, podemos senti-la bem perto quando observamos a economia. A educação financeira em tempos de guerra e recessão é um desafio a ser enfrentado pelas famílias.
De acordo com a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a previsão é que, com a guerra, todos os países sofram queda de, no mínimo, 1% no Produto Interno Bruto (PIB) além de alta na inflação dos preços. Estas estimativas são apenas para o primeiro ano de conflito.
O MT Econômico traz nessa matéria especial, quais os desafios enfrentados pela população em tempos de guerra e recessão diante do contexto econômico da atualidade.
Entre as várias consequências negativas, a guerra poderá afetar também, as próximas safras brasileiras, ao gerar menor abastecimento de fertilizantes para o agronegócio. A Rússia é um dos maiores exportadores de insumos, seguido pela Bielorrússia, vizinha da Ucrânia e que utiliza a saída para o mar do país para escoar o produto.
Com projeções nada animadoras, o brasileiro se vê em mais um momento delicado. Os últimos dois anos foram difíceis com o avanço da pandemia do Coronavírus, que provocou fechamento de diversas empresas, gerou o desemprego de milhões de pessoas e mais de 660 mil mortes no Brasil.
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Mais desemprego, menos renda
A taxa média anual de desemprego no Brasil caiu de 13,8% em 2020 para 13,2% em 2021 de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O primeiro trimestre de 2022 manteve a queda nos números para 11,2% no último trimestre.
Mas ao mesmo tempo que mais brasileiros conseguem aos poucos voltar ao mercado de trabalho, a renda familiar sofre queda constante. No ano passado, a renda domiciliar caiu em todo o país, indo na contramão dos preços com a inflação, que vive um aumento constante de diversos produtos, incluindo alimentação e combustíveis como gasolina, gás de cozinha e medicamentos.
Com isso, a população busca uma maneira de equilibrar a balança financeira que parece pesar mais em um lado que o outro. Porém, é possível fazer alguns ajustes no orçamento, segundo algumas orientações, conforme será descrito a seguir.
Aumento do endividamento
Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), quase oito em cada 10 famílias brasileiras possuem dívidas. De acordo com o órgão, esse número tem crescido gradativamente.
Os dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), mostram que a taxa de endividamento atinge 77,5% dos domicílios do país no mês de março, 10,2% maior que no mesmo período de 2021, que ficou em 67,3%.
Esse aumento no endividamento é impactado pela perda ou redução de renda, inflação e alta da taxa Selic nos últimos meses, que elevou os juros do mercado, dificultando a concessão de crédito ou tornando a dívida mais cara. De acordo com o Banco Central (Bacen), as taxas de juros nas linhas de crédito para pessoas físicas aumentaram de 39,4%, em janeiro de 2021, para 46,3%, em janeiro deste ano.
Especialistas alegam que a inflação tem feito as pessoas procurarem os bancos como uma saída para a manutenção do consumo. Um exemplo disso está no cartão de crédito, que tem sido usado com frequência nos supermercados. Uma pesquisa do Serasa apontou que aproximadamente 70% dos endividados utilizaram o cartão para comprar comida. É neste tipo de endividamento que está o perigo.
A tendência é o cenário ficar ainda difícil nesse ano. Segundo o mais recente relatório do Serasa, estima-se que o primeiro semestre deste ano a inadimplência do consumidor se mantenha em alta.
De acordo com economistas, o cartão de crédito e o cheque especial são os tipos de crédito mais acessíveis à população, pois já estão aprovados. Porém, são eles que possuem as taxas de juros mais caras. A situação mais frequente é utilizar o crédito rotativo, o que provoca um efeito bola de neve, onde os juros se acumulam com a dívida e torna a dívida cada vez maior e, consequentemente, mais difícil de ser quitada.
Causas do endividamento vão além da economia
Apesar da economia estar passando por dificuldades, nem sempre essa é a causa do endividamento. Ninguém possui dívidas por que quer, mas existem situações que levam ao endividamento. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), as principais causas de dívidas no país acontecem por um dos fatores abaixo:
- Desemprego,
- Doença na família,
- Uso inadequado do cheque especial e crédito rotativo,
- Consumo excessivo,
- Falta de reserva financeira para emergências,
- Ausência de educação financeira.
Enquanto alguns fatores podem ser bem difíceis de serem evitados, como a perda do emprego ou um membro da família adoecer, outros fatores parecem desconhecidos pela população, como a educação financeira.
Especialistas dizem que na maioria das vezes, isso acontece por conta de uma cultura que favorece um comportamento financeiro irresponsável, que não é cultivada nas escolas ou nas famílias.
No entanto, é possível aprender como lidar com as finanças e passar a ter uma vida financeira saudável.
Planejamento mensal é imprescindível
No momento econômico atual parece uma missão quase impossível manter as contas em dia. Mas é possível fazer ajustes, reduzindo gastos e principalmente, evitando pagar juros.
Ao planejar os gastos mensais, é importante saber equilibrar todos os ganhos e gastos de maneira assertiva. Criar uma planilha mensal, com receitas e despesas detalhadas é um método simples para visualizar onde está sendo gasto a renda família, mas não é o suficiente. É preciso mudar a consciência, por isso a educação financeira é fundamental.
Com as informações anotadas, é possível entender para onde está indo o dinheiro. A partir daí é possível identificar os principais hábitos financeiros e decidir onde é possível fazer cortes.
Quando se tem os gastos anotados, controlar os gastos realizados durante o mês se tornam mais fáceis de lidar. Por isso, escrever em um papel ou no excel as contas do mês é a maneira mais simples de conseguir isso. Lembrando que você não deve ficar escravo de anotações, mas ter um mapeamento do seu comportamento financeiro para definir um orçamento mensal e anual.
Inclua toda a família na organização financeira
Não adianta uma só pessoa tentar resolver toda a situação. Os gastos domiciliares vêm do uso de todos que residem no local, por isso é importante que a família entenda o quanto está sendo utilizado no dia a dia com eletricidade, gás e água por exemplo.
Ao deixar claro as contas que mais drenam o dinheiro, mais fácil é para criar estratégias para reduzir ou até mesmo, se for possível, cortar a despesa por completo. Embora contas regulares, como eletricidade e gás são necessidades básicas, às vezes pequenas alterações nos hábitos possam ajudar na redução do valor, como reduzir o tempo no banho e apagar as luzes dos cômodos ao sair.
Entender o que não é um item de extrema necessidade é outro ponto importante para a saúde financeira. Observe quais compras não essenciais estão levando o dinheiro embora e veja como substituir por algo mais barato. Às vezes, a compra diária de um café expresso na rua pode ser substituída por um café comum mais barato ou, reduzir o número de vezes na semana já oferece uma economia no final do mês. Reduzir os excessos é a chave, não “cortar de vez o cafezinho”.
Evite crédito rotativo e negocie com os credores
Por mais fácil que seja conseguir e utilizar esse tipo de crédito, os juros têm um alto preço a se pagar. Muitas vezes solicitar um empréstimo, apesar de mais burocrático, seja a melhor solução devido aos juros menores e parcelas fixas. Com pagamentos definidos, sabe-se o valor total da dívida e evita-se acumular juros sobre juros, como acontece nos cartões de crédito e no cheque especial.
Caso a dívida já exista, busque negociar com os credores para obter propostas interessantes. Muitas vezes é possível reduzir os juros e reajustar as parcelas para efetuar os pagamentos de acordo com sua renda atual.
É importante priorizar quais dívidas devem ser quitadas primeiro. Contas relacionadas a serviços essenciais, como água, internet, gás e luz precisam estar no topo da lista. Em seguida, procure negociar empréstimos que possuem como garantia um bem como um carro ou um imóvel, pois podem ser tomados para pagar a dívida.
Muitas das dívidas podem ser negociadas com descontos em feirões como do Serasa e da Febraban. Algumas empresas oferecem até 90% de desconto nos juros de algumas dessas dívidas, com opção de parcelamento.
Estipule um teto de gastos mensais
Reorganizar as dívidas para sair do endividamento é apenas o primeiro passo para se ter uma vida financeira saudável. O segundo é a busca para que o endividamento não aconteça novamente.
Lembre-se que o problema não é fazer dívidas, mas saber quando e como fazê-las. E principalmente, cuidar para que ela não se torne uma bola de neve novamente.
Para conseguir isso, é preciso avaliar e entender quais seus limites de gastos. O primeiro ponto a se observar são os limites de crédito, que não podem ultrapassar seu salário mensal ou, pelo menos as parcelas mensais e sempre analisar se é realmente necessário fazer dívidas tão altas. Determine qual será o teto de gasto mensal e não ultrapasse esse limite.
Existem várias formas de decidir qual será o valor máximo. Desde o valor total dos ganhos a um valor qualquer que venha à cabeça. Um método eficiente e muito utilizado é o 50 30 20.
Método 50 30 20 de planejamento financeiro
A regra do 50 30 20 é um modelo que sugere como utilizar o dinheiro de uma forma mais organizada.
O método divide os gastos em três categorias principais:
- Necessidades – utilizar 50% da renda com gastos essenciais básicos, como por exemplo, aluguel, alimentação, transporte, energia, combustível, etc.;
- Desejos pessoais e sonhos – utilizar no máximo 30% da renda com bens de consumos, como restaurantes, lazer cotidiano, presentes. E também, nesse percentual, planejar a realização de sonhos, incluindo troca do carro, viagens, entre outros de curto, médio e longo prazo.
- Poupança e aposentadoria – 20% da renda deve ser separado para poupar, direcionando para investimentos que tenham boa rentabilidade, além de separar uma parte para a aposentadoria.
Este modelo busca trabalhar para que se viva um padrão de vida de acordo com os ganhos reais ou, se possível, um pouco abaixo para garantir uma economia de renda maior. Porém, é importante lembrar que o objetivo principal é quitar as dívidas com juros altos, construir uma reserva financeira para imprevistos e aos poucos, começar a guardar dinheiro para os sonhos e aposentadoria. Com isso, será evitado mais juros acumulados com dívidas pendentes e incapacidade de lidar com situações imprevisíveis em decorrência da ausência de reserva.
Na maioria das vezes a etapa dos 20% parece ser a mais difícil, visto que não é hábito da população constituir poupanças. Mas esta é a parte mais importante e que evitará dívidas futuras.
Na prática, a reserva financeira é uma poupança para um momento de necessidade como uma emergência de saúde, a perda inesperada de um emprego, por exemplo e evitar a necessidade de empréstimos.
Uma forma de guardar dinheiro para reserva e para os sonhos é economizar no dia a dia através da pesquisa de preços, anotar e comparar os valores mais em conta. É possível fazer isso em diversos produtos e serviços, como:
- Supermercados, açougues e feiras;
- Postos de gasolina e empresas de gás de cozinha;
- Serviços como internet, academia, natação e similares;
- Assistência técnica de equipamentos mais caros, como geladeiras, máquina de lavar.
Ao pesquisar os preços, é possível encontrar valores mais baixos. Além disso, será possível negociar e conseguir descontos interessantes.
E para finalizar, tenha foco nos seus sonhos de curto, médio e longo prazo, sendo assim, reduzirá gastos de consumo em excesso, que servem muitas vezes apenas para aliviar uma dor emocional temporária de algo que está sentindo.
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