Na semana passada, a Federação da agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato) promoveu junto com o Instituto Brasileiro de Estudos do Agronegócio (IBEA) e demais parceiros, o Seminário Recuperação Judicial no Agronegócio. O tema tem movimentado o setor produtivo rural e o Poder Judiciário brasileiro. O evento técnico contou com a participação de representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), desembargadores de Mato Grosso, juízes, promotores e demais operadores do direito especializados no assunto e que atuam em vários estados do país.
Por se tratar de um tema em que o enquadramento dos produtores rurais aos requisitos impostos pela Lei de Recuperação Judicial ainda está em processo de consolidação perante os tribunais, a Famato e os parceiros entendem que o seminário pode contribuir para o debate e construção de novas interpretações que não ferem o direito daqueles que trabalham com o agronegócio no Brasil.
“Uma das minhas batalhas como produtor e presidente do Sistema Famato é desmistificar o que acontece com o produtor rural. O que queremos de fato são regras claras do que podemos ou não fazer. Este é um evento importante para que os participantes conheçam o segmento com mais profundidade para aperfeiçoar os entendimentos e julgamentos”, afirmou o presidente do Sistema Famato, Normando Corral.
Atualmente, fala-se muito sobre a recuperação judicial do produtor, mas há pouca abordagem sobre os riscos inerentes ao exercício da atividade e o altíssimo nível de investimento necessário. Embora o agronegócio brasileiro seja responsável por movimentações milionárias na economia do país – através do recolhimento de impostos, geração de empregos diretos e indiretos, produção de alimentos e abastecimento de mercados – o produtor rural ainda é penalizado ao se deparar com o tratamento desigual em comparação aos demais empresários brasileiros.
Em casos como quebra de safra, por exemplo, decorrente de fatores climáticos, variação cambial, entre outros motivos que culminam na gestão financeira, o produtor rural tem enfrentado entendimentos divergentes quando o assunto é a recuperação judicial. As jurisprudências são diferentes de um estado para outro.
“O agronegócio tem peculiaridades e ficou muito claro por tudo o que foi discutido aqui que é uma atividade importante para o desenvolvimento da nossa economia. É uma atividade que tem uma modalidade de financiamento diferente de outras atividades empresariais e que deve haver um tratamento do ponto de vista de Recuperação Judicial que seja compatível com todas essas peculiaridades”, afirmou Daniel Carnio Costa, juiz da 1ª Vara de Recuperação Judicial e Falências da Comarca de São Paulo.
Insegurança jurídica – Nas discussões abordou-se muito sobre a insegurança dos produtores em entrar ou não com o pedido de recuperação judicial. Em Mato Grosso, por exemplo, o produtor tem que estar inscrito na junta comercial pelo período mínimo de dois anos para justificar o deferimento de seu pedido de recuperação judicial. Além disso, existe o requisito de que ele só poderá submeter-se ao processo de recuperação judicial com créditos constituídos após o referido registro. Na prática, isso pode inviabilizar o procedimento, uma vez que a grande maioria dos produtores rurais exerce suas atividades sem qualquer registro na junta comercial.
No entendimento da Famato, segundo a gestora do Núcleo Juridico, Elizete Ramos, a exigência da inscrição prévia na Junta Comercial traz consequências negativas na atividade rural. Para a compra de insumos, 20% dos recursos são oriundos de capital próprio e 80% o produtor rural adquire do mercado, como bancos privados, públicos, tradings e revendas. A condição da comprovação ou não da inscrição do produtor rural perante a junta comercial pode inviabilizar o acesso aos recursos no mercado. “Essa exigência passa a impressão para os credores que há uma predisposição do produtor em ingressar com pedido de recuperação judicial. Assim, ele fica excluído da obtenção de qualquer crédito”, exemplificou Elizete.
Segundo o promotor de justiça do Rio de Janeiro, Leonardo Araújo Marques, existe um consenso de que o produtor rural é empresário e pode pedir recuperação: “E eu entendo que não precisa aguardar os dois anos do registro para pedir recuperação judicial. Também defendi aqui que todos os créditos anteriores ou posteriores do registro se submetem a recuperação judicial, porque o objetivo é trazer o maior número de credores para esse ambiente de negociação”.
Luz no fim do túnel – Durante o evento, o conselheiro do CNJ, Dr. Henrique de Almeida Ávila, informou que o CNJ buscará, por meio de atos normativos, regular algumas situações relativas à recuperação judicial como no caso das varas de competência regional e perícia prévia para dar mais estabilidade e mais previsibilidade às decisões.
A ideia do CNJ é dividir a pauta por regiões e determinar um juiz de vara especializada para essas regiões a fim de julgar somente as ações de recuperação judicial, assim como foram criadas as varas da infância e juventude. Atualmente, isso já acontece em algumas capitais e se a medida alcançar todo o país facilitará muito o processamento das recuperações. Aproximadamente 90 juízes seriam os responsáveis em julgar esta matéria.
O seminário foi uma iniciativa da Famato, em parceria com o Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos e Multidisciplinares do Agronegócio (IBEA), Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJ-MT), Escola Superior da Magistratura do Estado de Mato Grosso (Esmagis), Comitê Multi-institucional do Sistema Judicial de Mato Grosso, Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), Associação Mato-grossense de Produtores de Algodão (Ampa), Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat) e Associação dos Produtores de Sementes de Mato Grosso (Aprosmat).