Em junho de 1994 o Brasil tomava conhecimento da nova moeda do país, o real, que começaria a circular em 1º. de julho daquele ano. O novo padrão monetário era parte importante do Plano Real, o mais bem-sucedido plano de estabilidade macroeconômica do país. A criação da nova moeda foi a mais relevante e sensível etapa do plano que teve sua implantação iniciada em maio de 1993 quando o então Presidente da República Itamar Franco nomeou o sociólogo e senador Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda com o principal objetivo de tirar o Brasil da hiperinflação.
Sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso, um grupo de brilhantes e estudiosos economistas que já desenvolviam teses e ensaios acadêmicos sobre combate à hiperinflação e transição pacífica para a estabilidade macroeconômica, aceitaram o desafio profissional de desenvolver e implantar um plano que conduzisse o Brasil à estabilidade econômica, monetária e cambial.
O Plano Real foi concebido para ser implantado em três fases. Na primeira, foi executado grande ajuste fiscal para aumentar a arrecadação, reduzir gastos, renegociar dívidas dos estados, reestruturar o sistema bancário. Na segunda fase foi criada uma moeda escritural, Unidade Real de Valor (URV) que fez a transição para a nova moeda. E na terceira etapa foi introduzido um novo padrão monetário, com a nova moeda, o real, e a mudança do sistema de câmbio fixo para flutuante.
Uma nação é reconhecida pelo seu hino, bandeira, constituição e sua moeda. Após rotundos fracassos de vários planos que tentaram acabar sem sucesso com a hiperinflação, o país praticamente não tinha uma moeda.
Naquele período, o Brasil enfrentava uma das mais ferozes crises inflacionárias do mundo. Às vésperas do lançamento da nova moeda, junho de 1994, a inflação brasileira chegou à inacreditável cifra de 4.922% (IPCA/IBGE) em doze meses. Mesmo com a implantação do Plano Real, que foi abraçado pela população, ao final de 1994 a inflação ainda persistia em 916% ao ano. A estabilização de preços e domesticação da inflação somente vieram nos anos seguintes.
A implantação do plano não foi nada fácil. Além do ceticismo inicial da população, enfrentou enormes resistências políticas da oposição, especialmente, do Partido dos Trabalhadores (PT), e de notáveis economistas como Maria da Conceição Tavares. Exigiu do time de economistas muita resiliência, inovação e planejamento. A execução ainda teve alguns percalços não planejados como a saída, em março de 1994, de Fernando Henrique Cardoso para se candidatar à presidência da República. Foi substituído pelo diplomata Rubens Ricupero, que precisou sair do Ministério da Fazenda, em setembro de 1994, após falar uma grande besteira durante uma entrevista à Rede Globo em rede nacional. Foi sucedido pelo então Governador do Ceará, Ciro Gomes que conduziu a execução até ser substituído por Pedro Malan.
O sucesso do Plano Real deve ser atribuído à genialidade dos economistas idealizadores, à democracia que foi plenamente testada para superar divergências no congresso nacional, à capacidade de Fernando Henrique Cardoso em recrutar, reter e liderar talentos, e à liderança política do Presidente Itamar Franco, que proporcionou autonomia e confiança à equipe econômica do seu Ministro da Fazenda.
Ouso dizer que a estruturação macroeconômica, inovação teórica, e pleno sucesso na implantação sem traumas sociais poderiam valer o Prêmio Nobel de Economia aos seus autores. Tivesse o Plano Real sido concebido e implantado em algum dos países que fazem parte da OCDE, seguramente seus autores teriam ganho o prêmio.
Considero que o grande legado do Plano Real foi estabelecer novos valores civilizatórios ao Brasil. A sociedade entendeu e passou a exigir de seus líderes políticos estabilidade de preços, consolidação da democracia, compromisso com a estabilidade fiscal. E os políticos passaram a entender que inflação alta derruba sua popularidade e dificulta a implantação de outras agendas sociais e políticas. Não adianta muita coisa investir em áreas nas quais o país continua carecendo de progressos se os preços sobem, corroem a renda, derrubam a qualidade de vida da população. Em suma, estabilidade macroeconômica e inflação baixa tornaram-se valores perenes de toda a sociedade brasileira.
Vivaldo Lopes é economista e consultor